A Sétima Ele Abomina

Dentre as muitas cartas que recebo, uma delas chamou-me profundamente a atenção. Ela informava acerca da rebelião de um determinado número de membros de uma igreja local, que pelas exacerbadas divergências entre os irmãos resolveram dividi-la a fim de dar início a um novo trabalho em um outro local que Deus os enviasse. O desejo dos separatistas é que fosse preservado o espírito da igreja primitiva, onde possuíam o mesmo parecer e tinham tudo em comum (At 2:44), para que fosse mantido o interesse pela salvação das almas.

Fiquei estupefato diante dessas afirmações. Como poderia Deus enviar alguém por meio de um procedimento que Ele abomina? Como seria possível preservar-se algo que não existia? Porventura a expressão “o mesmo parecer” teria se tornado um neologismo de interpretação dúbia? Impressiona-me, sobremodo, como as pessoas colocam no papel qualquer coisa que lhes atenda aos anseios e até assinam em baixo. Mais lamentável ainda é quando observamos a explicação para a divisão: “Jesus dividiu os crentes que estavam em Jerusalém para que o Evangelho chegasse aos confins” (At 1:8). No mínimo, tal justificativa não passa de uma irrefletida heresia.

Enquanto me refazia da perplexidade da qual momentaneamente fora acometido, veio-me à lembrança a exortação de Paulo aos coríntios, que, com muitos rogos, pedia aos crentes que se reuniam naquela localidade para que todos falassem a mesma coisa, que não houvesse divisões entre eles, antes, estivessem inteiramente unidos na mesma disposição mental e no mesmo parecer (I Cor 1:10).

A situação em Corinto era deplorável, eles tinham toda a sorte de divisões. Divergiam, entre outras coisas, acerca do casamento, da comida, dos dons espirituais e da conduta das mulheres. Havia divisões até na Ceia do Senhor. Não há dúvida de que todas essas coisas eram consequências de uma disposição mental réproba que gerou um corporativismo avassalador no seio daquela igreja local, onde os intelectuais se agrupavam como partidários de Apolo, os legalistas como de Pedro, os liberais como de Paulo. Havia até os exclusivistas fatalistas que não se identificavam com nenhum desses grupos por serem, somente eles, de Cristo (I Cor 1:12).

Quando vemos e lemos acerca de atitudes como essas, constatamos que não foi sem motivo a preciosa oração intercessora do Senhor Jesus ao Pai, a nosso favor, para que houvesse entre nós um só coração e pensamento, tal como Ele e o Pai possuíam, pois, assim, o mundo tomaria conhecimento da Sua missão. Ele nos transmitiu a glória do Pai para que fôssemos aperfeiçoados na unidade, a fim de que o mundo cresse que Ele fora enviado pelo Pai (Jo 17:20-26). Portanto, que leviandade é essa de que para o Evangelho ser disseminado é necessário que haja divisões até mesmo conflituosas?

Como seria possível manter uma mesma disposição mental e um mesmo parecer se a separação foi motivada por conflitos, por divergências entre irmãos, que não resolveram suas dificuldades quando juntos estavam? Creio ser hipocrisia afirmar-se que as coisas irão melhorar após a separação, e que a comunhão será aperfeiçoada, uma vez que Paulo nos roga para que haja distância daqueles que causam divisões em desacordo com os ensinos que aprendemos, pois, os que tais coisas praticam, não estão a serviço do Mestre, ao contrário, tão somente desejam tirar proveito para si próprios.

Estes, na maioria das vezes, são bons oradores e, lamentavelmente, muitos têm-se deixado enganar por eles, os quais são aduladores que praticam um verdadeiro culto à personalidade, por ambicionarem e imporem uma chefia sobre a liderança da igreja, postando-se como verdadeiros donos de igrejas, a fim de praticarem toda sorte de licenciosidade que atenda aos seus sórdidos interesses pessoais, mesmo que para isso tenham que esmagar aqueles que porventura se tornem um empecilho para o intento dos seus corações. Notemos que Paulo adverte de que esses tais são bem preparados, prontos a responder, e, com lisonjarias, enganam os corações dos incautos.

Não é demais ter em lembrança que para que esses mesmos contendores o inverso também é verdadeiro, pois, quando observam um movimento de desdobramento de um trabalho local, com o saudável objetivo do surgimento de um novo ponto de pregação, cuja ideia não foi gerada em seu grupo de atuação, tornam-se os maiores adversários desse esforço sob a maldosa insinuação de que aquele procedimento assemelha-se a uma divisão. Ou seja, manobra-se a interpretação do que seja um processo de divisão, de acordo com as conveniências e ambições pessoais. Tolos, em seus desvarios estão desapercebidos de que subitamente serão quebrantados e que sobre si virá repentina destruição. É só uma questão de tempo, Deus não se deixará escarnecer, pois não ficarão impunes aqueles que zombam do Senhor.

Cuidemos em buscar na Palavra de Deus o indispensável antídoto para essa raiz de amargura. Tendo Paulo contemplado essa triste realidade, ele foi incansável em seus ensinos com respeito a preservação da unidade do corpo de Cristo. Dentre as suas muitas súplicas, ele roga para que nos comportemos de maneira digna, suportando-nos uns aos outros em amor, perdoando-nos mutuamente, esforçando-nos diligentemente por preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz, uma vez que há somente um Corpo, Espírito, Senhor, Fé, Batismo, Deus e Pai (Ef 4:1-6).

Quando Paulo escrevia à igreja em Filipos, ele exortava aos crentes para que fossem animados entre si, demonstrando-lhes o profundo significado de serem irmãos em Cristo e compartilharem do mesmo Espírito. Por isso, deviam estar amando e concordando uns com os outros de todo o coração, trabalhando juntos com um só sentimento, uma só mente e um só propósito (Fp 1:27 e 2:1-4). Não deviam ser egoístas, vivendo somente para causar boa impressão aos outros, ao contrário, deviam praticar a humildade, pensando a respeito dos outros como sendo melhores do que eles mesmos, jamais pensando unicamente em seus próprios interesses, mas preocupando-se também com os outros e com o que eles fazem. Ou seja, a atitude de um filho de Deus deve ser semelhante àquela que nos foi demonstrada pelo Senhor Jesus, que, sendo Deus, não se apegou aos Seus direitos como Deus, mas pôs de lado o seu imenso poder e glória, humilhando-se até à morte, e morte de cruz (Fp 2:5-8). Com tristeza afirmo: não é difícil para o ser humano renunciar aos seus próprios direitos, o difícil é negar-se a si mesmo.

Salomão, do alto do seu notável saber, descreve-nos acerca de um homem vazio, inútil, um homem que não presta para nada uma vez que as suas palavras são mentirosas. Ele revela o seu objetivo com gestos de mãos, piscadelas d’olhos e movimentos com os pés como se estivesse falando através deles. Seu coração está cheio de malícia; ele passa o tempo todo imaginando novas maneiras de fazer o mal e fomentando a discórdia entre as pessoas, coisas essas que contrariam profundamente o Senhor, pois, das coisas que O aborrecem, a sétima Ele abomina: o que semeia contendas entre irmãos (Pv 6:16-19).

José Carlos Jacintho