A Salvação

A doutrina da Salvação é, ao mesmo tempo, simples e complexa. Por um lado, a maioria dos crentes por dizer João 3:16 de cor, ou citar a resposta de Paulo ao carcereiro de Filipos sobre o que é necessário para a Salvação (At 16:31). Por outro lado, quem pode explicar como um Deus-homem totalmente santo poderia se tornar pecado e morrer em benefício de homens pecadores e rebeldes?

É extremamente importante entender corretamente a Salvação. As Escrituras colocam um anátema [maldição] sobre qualquer pessoa [incluindo anjos e pregadores] que venha a ensinar um Evangelho de Salvação diferente daquele ensinado nas Escrituras (Gl 1:8). Pergunta-se:

  • O que é a verdadeira Salvação?
  • Como é oferecida?
  • Como se pode obtê-la?
  • Quais são os seus benefícios e bençãos?

A verdadeira Salvação é aquela oferecida pelo próprio Deus pela morte sacrificial de Seu Filho Jesus Cristo, o Senhor. Não há outro meio pelo qual alguém possa ser salvo da condenação eterna e receber vida eterna (At 4:12).

Resultados da morte de Cristo:

Foi Uma Substituição Pelo Pecado

Há muitas facetas no significado da morte de Cristo, mas a mais central, sem a qual as demais não teriam qualquer significado eterno, é a substituição. Isto significa simplesmente que Cristo morreu no lugar dos pecadores. O uso da preposição grega “anti” claramente ensina isto, pois ela significa “em lugar de”. É usada com este sentido, por exemplo, numa passagem que oferece a interpretação do próprio Senhor Jesus Cristo sobre a Sua morte (Mt 20:28 / Mc 10:45). Sua morte, disse Ele, seria um pagamento em lugar de muitos.

Uma outra preposição grega, “huper”, é usada também no Novo Testamento, e tem dois significados: às vezes significa “em benefício de”, e às vezes significa “em lugar de”. É claro que a morte de Cristo foi ao mesmo tempo em nosso lugar e em nosso benefício, e não há razão pela qual “huper” não possa incluir ambas as ideias ao ser usada em relação à morte de Cristo. Veja, por exemplo, II Cor 5:21 e I Pe 3:18.

Ofereceu Redenção do Pecado

A doutrina da redenção é edificada sobre três palavras do Novo Testamento.

A primeira é uma palavra simples que significa “comprar ou adquirir, ou pagar um preço por alguma coisa”. É usada, por exemplo, com este sentido cotidiano, comum, na “parábola do tesouro escondido num campo”, que motivou o homem a comprar [redimir] o campo (Mt 13:44). Em relação à nossa Salvação, a palavra significa pagar o preço que nosso pecado exigiu para que pudéssemos ser redimidos.

A segunda palavra é da mesma raiz da palavra mencionada acima, prefixada por uma preposição que intensifica o seu sentido. Em português, a palavra ganharia um sentido de “pagar o preço para tirar do mercado”. Assim, a ideia dessa segunda palavra é que a morte de Cristo, além de pagar o preço do pecado, retirou-nos do mercado de escravos do pecado para nos dar plena certeza de que jamais seremos novamente submetidos á escravidão e às penas do pecado.

A terceira palavra para redenção é totalmente diferente. Seu sentido básico é “soltar”, e isto significa que a pessoa resgatada é libertada no sentido mais completo da palavra. O meio pelo qual esta libertação é obtida é a substituição realizada por Cristo (I Tm 2:6) apresenta esta terceira palavra prefixada pela preposição “anti”; sua base é o sangue de Cristo (Hb 9:12); o seu resultado é a purificação de um povo zeloso de boas obras (Tt 2:14).

Assim, a doutrina da redenção significa que, devido ao derramamento do sangue de Cristo, os crentes foram comprados, libertos da escravidão e postos em plena liberdade.

Efetuou Reconciliação

Reconciliar significa mudar. A reconciliação efetuada pela morte de Cristo significa que o estado de alienação em relação a Deus em que o homem vive foi mudado, de modo que ele agora pode ser salvo (II Cor 5:19). Quando o homem crê, seu antigo estado de alienação de Deus é mudado e ele se torna membro da família de Deus.

Ofereceu Propiciação

Propiciar significa apaziguar ou satisfazer um deus. Isto naturalmente levanta uma questão: “Por que a divindade precisa ser apaziguada?”. A resposta bíblica a esta questão é simplesmente que o verdadeiro Deus está irado contra a humanidade por causa do seu pecado. O tema da ira de Deus aparece frequentemente através da Bíblia, inclusive no ensino de Cristo (Mc 3:29; 14:21). Ira não é apenas o desdobramento impessoal e inevitável da lei da causa e efeito, mas é também a intervenção pessoal de Deus na vida da humanidade (Rm 1:18 / Ef 5:6).

A morte de Cristo propiciou Deus, sustando Sua ira e permitindo que Ele receba em Sua família aqueles que colocam sua fé Naquele que O satisfez, Jesus Cristo. A extensão da obra propiciatória de Cristo é universal (I Jo 2:2), e a base da propiciação é o Seu sangue derramado (Rm 3:25)

Pelo fato de Cristo ter morrido, Deus está satisfeito. Portanto, não devemos nem precisamos pedir alguém que faça alguma coisa para satisfazê-Lo. Isso significaria tentar apaziguar alguém que já está apaziguado, algo totalmente desnecessário. Antes da cruz, o indivíduo não podia ter certeza de que Deus ficaria satisfeito com a oferta que lhe trouxera. É por isso que o publicano orou: “Ó Deus, sê propício a mim, pecador” (Lc 18:13). Hoje, tal oração seria desperdício de fôlego, pois Deus ja foi propiciado pela morte de Cristo. Por isso, nossa mensagem aos homens hoje não deveria de modo algum sugerir-lhes que podem agradar ou satisfazer a Deus praticando alguma ação, mas que podem ficar satisfeitos e descansados com o sacrifício de Cristo, que satisfez completamente a ira de Deus.

Julgou a Natureza Pecaminosa

A morte de Cristo trouxe-nos um benefício importante ao tornar inoperante o poder dominador de nossa natureza pecaminosa (Rm 6:1-10). Embora este conceito não seja fácil de entender, Paulo diz que nossa união com Cristo pelo batismo envolve participar de Sua morte, de modo que estamos mortos para o pecado. Esse batismo deve ser o batismo com o Espírito Santo, pois água alguma, não importando sua quantidade, poderia realizar o que essa passagem descreve. A ideia de morte, tão proeminente nessa passagem, não significa extinguir ou cessar mas, como sempre na Bíblia, separar.

A crucificação do cristão com Cristo significa separação do domínio do pecado sobre sua vida. A pergunta “Permaneceremos no pecado…”. é respondida com um enfático “não”, com base em nossa morte com Cristo (Rm 6:1). Isso “destruiu” o corpo do pecado. “Destruir” não significa aniquilar, pois, se o fizesse, a natureza pecaminosa seria erradicada, um fato que nossa experiência dificilmente comprovaria! Significa, isto sim, tornar ineficaz a natureza pecaminosa.

O crente está livre, portanto, para viver um vida agradável a Deus. Embora ainda seja possível ouvir e seguir as sugestões do pecado, nunca será possível o pecado reconquistar o domínio e o controle que possuía antes da conversão.

Trouxe o Fim da Lei

O fato de que a morte de Cristo trouxe um fim à Lei de Moisés é claramente ensinado no Novo Testamento (Rm 10:4 / Cl 2:14). A importância deste fato está relacionada com (1) a justificação e (2) a santificação, sendo mais fácil perceber a primeira que a segunda. A razão é simplesmente que a Lei não poderia justificar o pecador (At 13:39 / Rm 13:20), portanto, se os homens devem ser justificados, um outro caminho precisa ser providenciado. A Lei pode mostrar ao homem a sua necessidade, mas não pode providenciar uma resposta à necessidade (Gl 3:23-25). Assim, a morte de Cristo ofereceu o meio da justificação pela fé exclusiva n’Ele.

A relação do fim da Lei com a santificação, todavia, é mais difícil de compreender, simplesmente porque certas porções da Lei de Moisés são repetidas no Novo Testamento em relação à santificação do crente. Além disso, os mandamentos específicos repetidos no Novo Testamento vêm de várias divisões da Lei (não de uma única, como os Dez Mandamentos). De fato, nove dos Dez Mandamentos são repetidos, e outras partes da Lei também (Rm 13:9). Isso cria dificuldades de entendimento em dizer que a Lei foi abolida, com exceção do Dez Mandamentos, pois o texto de II Cor 3:7-11 afirma claramente que os Dez Mandamentos (“gravados com letras de pedra”) foram abolidos. Como reconciliar com todos esses fatos? Estará ou não o crente sob a Lei no que tange à santificação.

A única solução realista que pareceu coerente é a que distingue entre um código de leis a as leis nele contidas. A Lei de Moisés foi um de muitos códigos que Deus outorgou ao homem ao longo da História, e como código está abolida. O código sob o qual o crente vive é chamado “a lei de Cristo” (Gl 6:2) ou a “a lei do Espírito da vida” (Rm 8:2).

Quando um código é revogado e outro instituído, nem todos os mandamentos contidos no novo código serão novos e diferentes. A permissão de comer carne na lei de Cristo (I Tm 4:3) também era parte do código sob o qual Noé viveu depois do Dilúvio (Gn 9:3). Da mesma forma, alguns dos mandamentos específicos que faziam parte da Lei de Moisés forma incorporados a Lei de Cristo e outros não. O código como um todo, porém, foi definitivamente revogado.

Oferece Base para a Purificação do Pecado do Crente

O sangue (a morte) de Cristo é a base de nossa purificação cotidiana do pecado (I Jo 1:7). Isto não significa que haja uma recrucificação ou uma imersão em sangue com o qual se tocará o crente que pecar. Significa que o sacrifício definitivo de nosso Senhor oferece purificação constante ao crente quando pecar. Nossa posição de membros da família de Deus é mantida por Sua morte; nossa comunhão familiar e restaurada pela confissão do pecado.

Benefícios da morte de Cristo

Dentre os quase inumeráveis benefícios da salvação há muitos que são óbvios aos crentes porque podem ser experimentados, como a oração, por exemplo. Há muitos outros, porém, que não podem ser experimentados por si mesmos, embora possamos experimentar seus efeitos, e que nem sempre são bem entendidos. Apesar disso, são uma base vital para um vida cristã normal.

Justificação

A aceitação que a morte de Cristo nos oferece perante Deus é expressa em doutrinas como redenção (Rm 3:24), reconciliação (II Cor 5:19-21), perdão (Ef 1:7 / Rm 3:25), libertação (Cl 1:13), aceitação (Ef 1:6), segurança da glorificação futura (Rm 8:30) e justificação (Rm 3:24).

Justificar significa declarar justo. É um termo judicial que indica o anúncio de um veredito de absolvição, excluindo qualquer possibilidade de condenação. De fato, nas Escrituras o termo justificação é invariavelmente contrastado com condenação (Dt 25:1 / Rm 5:16; 8:33-34). As exigências da lei de Deus contra o pecador foram plenamente satisfeitas. A Justificação não se deve a qualquer negligência, descuido ou alteração na justiça de Deus e suas exigências, mas ao fato de todas as exigências divinas terem sido cumpridas em Cristo. A vida de perfeita obediência à Lei por parte de Cristo e sua morte expiatória que pagou a penalidade do pecado são as bases para a nossa justificação (Rm 5:9). A justificação jamais poderia basear-se em nossas boas obras, pois Deus requer perfeita obediência, o que é impossível para o homem.

O meio para a obtenção da justificação é a fé (Rm 3:22-30). A fé nunca é a base ou canal para justificação, mas é o meio ou canal pelo qual a graça de Deus pode imputar ao pecador que crê a própria justiça de Cristo. Quando cremos, tudo que Cristo é Deus credita em nosso favor, sendo assim absolvidos por Deus mediante Cristo. Logo, Deus pode anunciar com justiça a nossa absolvição, e esse pronunciamento é chamado “justificação”.

Adoção

Adoção é um benefício particularmente maravilhoso da morte de Cristo para o crente. A doutrina é explicitamente ensinada apenas por Paulo. Todas as vezes que você ler a palavra “filho” em relação ao crente (não em relação a Cristo) nos escritos de João, por exemplo, deve pensar em filho natural, pois João não fala da filiação legal ou judicial do crente. Somente Paulo nos revela que somos adotados como filhos. É verdade que somos filhos de Deus pelo novo nascimento, mas também é verdade que, ao mesmo tempo, somos somos adotados na família de Deus.

No ato da adoção, uma criança de determinada família é tomada por um homem de outra família, colocada nessa nova família e considerada como filho legítimo com todos os privilégios e responsabilidades inerentes a esse novo relacionamento. O quadro retratado pela filiação ou geração espiritual é o do nascimento, crescimento, desenvolvimento e maturidade. A ideia de adoção é a do pleno privilégio na família de Deus. A adoção concede uma nova posição e condição àquele que recebe a Cristo.

Os resultados da adoção são a libertação da escravidão, de tutores e da carne (Rm 8:14-17 / Gl 4:1-5), sendo o Espírito Santo que nos capacita a desfrutar dos privilégios de nossa posição.

Santificação

A palavra santificar significa separar. Para o crente, a santificação tem três aspectos. Em primeiro lugar, o crente foi separado por meio de sua posição na família de Deus. A esse aspecto normalmente se dá o nome de santificação posicional. Significa ser separado como um membro da família de Deus. Tal fato é verdade em relação a todo crente, a despeito de sua condição espiritual, pois trata-se de um estado espiritual. Leia I Cor 6:11 e lembre como era carnal a condição daqueles crentes. O fato de esta santificação posicional ser baseada na morte de Cristo fica claro em Hb 10:10.

Há, é claro, o aspecto experimental da santificação. Pelo fato de termos sido separados, devemos ser crescentemente separados em nossas vidas diárias (I Pe 1:16). No sentido posicional, ninguém é mais santo que os demais, mas no aspecto vivencial é bastante correto falar que determinado crente é mais santo ou mais santificado que outro. Todas as exortações do Novo Testamento sobre o crescimento espiritual são pertinentes a esta faceta progressiva experimental da santificação.

Há ainda um sentido em que nenhum crente será totalmente santificado para Deus até que nossa posição e prática estejam em perfeita harmonia, e isso só ocorrerá quando virmos a Cristo em Sua vinda e nos tornarmos semelhantes a Ele (I Jo 3:1-3). Esta é a nossa santificação futura ou definitiva, que aguarda nossa completa glorificação em corpos ressurretos (Ef 5:26-27 / Jd 24-25).

Charles C. Ryrie – “Um Exame da Doutrina da Bíblia”

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