José: Capítulo 37 — O leitor cuidadoso das Escrituras Sagradas deve ter notado que a parábola dos talentos (Mt 25:14-30) não é a mesma que a das libras em Lucas 19. Elas não foram ditas ao mesmo tempo; não foram ditas no mesmo lugar; e foram ditas para transmitir duas linhas distintas de ensino. Os servos em Mateus 25 receberam quantias diferentes, enquanto os de Lucas 19 receberam o mesmo. Em Mateus 25, o Senhor Jesus Cristo enfatizaria o fato da Soberania Divina: o dom e a capacidade são primordiais nessa porção, pois Ele distribui individualmente conforme Sua vontade. Cada um recebe uma quantidade diferente de talentos: um recebeu cinco, outro recebeu dois e um recebeu apenas um. Lucas 19 ensina a verdade da responsabilidade humana, pois cada servo recebeu uma libra para negociar.
A parábola das libras foi motivada por duas razões. Em primeiro lugar, “porque estava perto de Jerusalém”. Nenhum judeu jamais pensaria que o governo do Reino começaria em outro centro que não Jerusalém, pois ela seria a metrópole do mundo no dia seguinte. A segunda razão para proferir essa parábola foi “porque eles pensavam que o Reino de Deus apareceria imediatamente”. Isso é confirmado pela pergunta feita pelos discípulos em Atos 1:6: “Senhor, restaurarás tu neste tempo o reino a Israel?”
A mente hebraica pode apreciar apenas duas dispensações, a saber, a Lei e o Reino. Ao contar essa história, o Senhor indicou a Seus seguidores que haveria um período entre a partida do nobre e seu retorno após ter recebido o reino. O período, na verdade, estendeu-se por quase dois milênios.
A palavra “certo” é a palavra característica de Lucas; sendo um médico, ele não ousa ter dúvidas! O “certo homem nobre” é, sem dúvida, o próprio Senhor. Ele foi para uma terra distante, pois não há relação moral entre este mundo e o Céu para onde Cristo foi. Deus disse a Ele: “Assenta-te à minha direita, até que eu ponha os teus inimigos por escabelo dos teus pés” (Sl 110:1); e novamente: “Pede-me, e eu te darei as nações por tua herança, e os confins da terra por tua possessão” (Sl 2:8).
Ele chamou dez servos e lhes entregou dez libras, ou seja, cada um recebeu uma libra, conforme indicado no versículo 16 e no versículo 18.
Sua comissão de despedida foi: “Ocupai-vos até que eu venha”. É óbvio, a partir dessa declaração, que Cristo está voltando e, enquanto isso, Ele deseja que estejamos engajados em Seu serviço. A palavra “ocupar” é a palavra para “negociar”, encontrada novamente no versículo 15, “negociar”. Quando uma pessoa negocia, ela o faz no mundo. Ela sai em um empreendimento. Imagine-se com dez mil dólares; você os investiria em um negócio e todos os seus esforços seriam para fazer o negócio prosperar. Essa é a ideia transmitida na instrução do nobre. Este é o dia da oportunidade; um dia será evidente para todos quanta energia gastamos em atividades para o Senhor.
No versículo 14, somos informados de que “os seus concidadãos o odiavam, e mandaram após ele uma mensagem, dizendo: Não queremos que este (‘homem’ está em itálico e não está no texto) reine sobre nós”. Eles falaram depreciativamente do nobre. Também enviaram uma mensagem atrás dele para dizer que não desejavam que ele reinasse sobre eles. A mensagem foi enviada no martírio de Estêvão (At 7). Pedro havia dito: “Arrependei-vos, pois, e convertei-vos, para que sejam apagados os vossos pecados, quando vierem os tempos do refrigério pela presença do Senhor, e ele enviar o Cristo, que já dantes vos foi anunciado, o qual convém que os céus recebam até aos tempos da restauração de todas as coisas.” Eles se recusaram a se arrepender, por isso o Senhor tratará com eles quando Ele se manifestar em poder e grande glória.
Ele retorna depois de ter recebido o reino e chama seus servos para serem examinados. O primeiro traz consigo os frutos de seus esforços, dizendo: “Senhor, a tua libra ganhou dez libras”. Deve-se admitir que ganhar dez com uma é um bom negócio. Ele havia usado tempo e habilidade para garantir essa quantia para seu mestre. O Senhor o elogiou como um “bom servo” e o recompensou dando-lhe autoridade sobre dez cidades. As cidades estão na Terra, e o reino de Deus será algo tão tangível quanto o reino de qualquer monarca terreno. Ser nomeado prefeito de dez cidades é uma conquista pela fidelidade ao Senhor. O Senhor sempre nos recompensará de acordo com nossa fidelidade. Há, no entanto, um anticlímax aqui, pois é óbvio que há mais cidades para governar do que homens competentes para governá-las, quando o Senhor dá dez cidades para o controle de uma pessoa.
A segunda pessoa veio e disse: “Senhor, a tua libra ganhou cinco libras”. Essa pessoa foi elogiada da mesma forma e recebeu autoridade sobre cinco cidades.
A terceira pessoa disse: “Senhor, eis aqui a tua libra, que guardei em um guardanapo”. O guardanapo é o pano de suor, e é evidente para todos que ele nunca usou o pano de suor, pois guardou a moeda nele. Como é trágico que alguém que está no lugar de um servo tenha uma avaliação tão baixa do Senhor a ponto de colocar sua moeda em um guardanapo e depois revelar seus pensamentos perversos sobre seu mestre. O guardanapo é mencionado três vezes nos Evangelhos, aqui, em João 11 e em João 20, e em dois casos está associado a um corpo morto: o de Lázaro em João 11 e o de nosso Senhor Jesus Cristo em João 20. Sugiro que, embora essa pessoa tenha assumido a condição de servo, ela estava espiritualmente morta, como é claramente indicado por seus comentários a respeito de seu senhor.
O Senhor o levou a sério em sua avaliação do patrão e, mudando o símile, disse: “Por que, pois, não depositaste o meu dinheiro no banco, para que, quando eu viesse, o exigisse com usura?” O banco é um lugar para pessoas fracas! A pessoa pode depositar o principal e, com o tempo, ele ganha juros. A palavra para “banco” é “trapeza” e é encontrada em 1 Coríntios 10:21, onde é traduzida como “mesa”. A mesa do Senhor (trapeza) é a comunhão da morte de Cristo. Se esse homem não tivesse a coragem de se aventurar por seu Senhor, ele poderia, pelo menos, ter colocado a libra no banco e os juros teriam se acumulado. Para negociar, uma pessoa sai pelo mundo para encontrar almas para Cristo, e esse é o trabalho do evangelista, do missionário, do professor da escola dominical, etc. Mas se faltasse esse entusiasmo, a libra poderia ser depositada com lucro no banco, ou seja, entre os santos de Deus, e então o Senhor receberia o que Lhe pertencia com juros.
Essa última pessoa foi julgada por sua própria boca (verso 22), e é chamada de “servo mau”. A cristandade está cheia de professos servos de Deus, mas muitos são como esse homem, são cadáveres espirituais; eles serão julgados de acordo com o status que assumiram.
O Senhor instrui os que estão por perto a privá-lo da libra e concedê-la ao homem com dez libras. Eles, unanimemente, dizem: “Senhor, ele tem dez libras!” O homem que era um falso professor foi despojado de tudo em que confiava e julgado assim diante de seu mestre.
É importante observar que aqueles que demonstraram uma fidelidade marcante recebem a “porção de Benjamim”. “Ao que tem será dado” é a resposta para o servo humilde e sem ostentação; para aquele que é um fingidor, toda a sua duplicidade será removida e a sutileza que estava por baixo será exposta ao olho que tudo vê do juiz justo.
Sua recompensa será proporcional à sua fidelidade. Então, seja fiel Àquele que hoje está fora de vista, mas que toma conhecimento de cada impulso.
Embora entremos na Casa do Pai com base no sangue de Cristo, e nesse reino sejamos todos amados com o mesmo amor, pois cada filho é querido no coração do Pai e desfruta do abraço do Amante de nossa alma, chegaremos ao Reino em posições que merecemos por meio da fidelidade ao nosso Senhor ausente. Para Esmirna, o Senhor declarou: “Sê fiel até a morte, e dar-te-ei uma coroa de vida”. Paulo lembrou ao jovem Timóteo em 2 Timóteo 4:8: “A mim me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo juiz, me dará naquele dia; e não somente a mim, mas também a todos os que amam a sua vinda.”
Pedro afirma que “quando o Supremo Pastor se manifestar, recebereis uma coroa de glória que nunca se apaga”, e essas palavras são dirigidas aos supervisores piedosos. Há coroas a serem ganhas, e o Senhor terá o maior prazer em concedê-las àqueles que manifestaram singeleza de coração no serviço a Ele enquanto Ele esteve fora de vista.
É isso que o Senhor tinha em mente quando se dirigiu à Filadélfia em Apocalipse 3:11, dizendo: “Retém o que tens, para que ninguém tome a tua coroa”. Ele deseja que sejamos fiéis neste pouco tempo, para que tenha o prazer de nos conceder as muitas coroas que Ele oferece como recompensa pelo serviço prestado nesta cena em que nosso Senhor é rejeitado e crucificado.
Alguém realmente disse: “Este mundo está cheio de pessoas dispostas a trabalhar; algumas dispostas a trabalhar e muitas dispostas a deixá-las trabalhar”.
“Deus não buscará sua raça,
Nem perguntará sobre seu nascimento:
Somente Ele exigirá de você,
O que você fez na terra?”
W. Fraser Naismith, “Alimento Para o Rebanho”, 1961.
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