A Palavra de Deus, Nossa Única Regra
“Todas as coisas são puras para os puros, mas nada é puro para os contaminados e infiéis; antes o seu entendimento e consciência estão contaminados. Confessam que conhecem a Deus, mas negam-no com as obras, sendo abomináveis, e desobedientes, e reprovados para toda a boa obra” (Tito 1:15-16).
São Paulo mostrou-nos que devemos ser governados pela Palavra de Deus, e considerar os mandamentos de homens como vãos e tolos; pois, a santidade e a perfeição da vida não pertencem a eles. Ele condena alguns de seus mandamentos, como quando eles proíbem certos alimentos, e não permitem que usemos aquela liberdade que Deus concede aos fiéis. Aqueles que perturbavam a igreja no tempo de São Paulo, por estabelecerem tais tradições, usavam os mandamentos da lei como um escudo. Estes eram apenas invenções dos homens; porque o templo devia ser abolido pela vinda de nosso Senhor Jesus Cristo. Aqueles na Igreja de Cristo, que sustentam esta superstição, de ter certos alimentos proibidos, não têm a autoridade de Deus, pois era contra a Sua mente e propósito que o Cristão estivesse sujeito a tais cerimônias.
Para ser breve, São Paulo nos informa neste lugar que nestes dias temos liberdade para comer de todos os tipos de alimento, sem exceção. Quanto à saúde do corpo, disto não se fala aqui; mas o assunto aqui expresso é que os homens não devem se estabelecer como mestres, para fazer leis para nós contrárias à Palavra de Deus. Percebendo-o assim, que Deus não põe nenhuma diferença entre carnes, é permitido então desfrutá-las; e nunca investigar o que os homens gostam, ou o que eles pensam ser bom. Não obstante, temos de usar os benefícios que Deus nos tem concedido, com sobriedade e moderação. Devemos lembrar que Deus fez os alimentos para nós, não que devemos empanturrar-nos como porcos, mas que devemos usá-los para o sustento da vida: por isso, nos contentemos com esta medida, a qual Deus tem nos mostrado por meio de Sua Palavra.
Se nós não temos tal estoque de alimentação como gostaríamos, suportemos a nossa pobreza, pacientemente, e pratiquemos a doutrina de São Paulo; e saibamos tão bem suportar tanto a pobreza quanto a riqueza. Se o Senhor nos conceder mais do que poderíamos ter desejado, ainda assim devemos refrear nossos apetites. Por outro lado, se agradar-Lhe cortar a nossa porção, e nos alimentar apenas pobremente, devemos nos contentar com isso, e rogar-Lhe que nos dê paciência quando não temos o que nossos apetites anseiam. Para ser breve, devemos recorrer ao que é dito em Romanos 13: “Mas revesti-vos do Senhor Jesus Cristo, e não tenhais cuidado da carne em suas concupiscências”. Nos contentemos em ter o que precisamos, e aquilo que Deus sabe ser adequado para nós; assim, todas as coisas serão puras para nós, se assim formos puros.
Ainda assim, é verdade que apesar de estarmos sempre tão imundos, os alimentos que Deus fez são bons; mas a questão que temos que considerar é o uso deles. Quando São Paulo diz tudo é puro, ele não quer dizer que eles são assim de si mesmos, mas como relacionados àqueles que os recebem; como notamos antes, onde ele diz a Timóteo que todas as coisas são santificadas a nós pela fé e ação de graças. Deus encheu o mundo com tal abundância que podemos nos maravilhar ao ver que cuidado paternal Ele tem por nós, pois, para que fim ou propósito são todas as riquezas aqui na terra, senão para mostrar quão liberal Ele é em relação ao homem!
Se não sabemos que Ele é nosso Pai, e age como um protetor para nós, se não recebemos de Sua mão o que Ele nos dá, de modo que quando comemos, sejamos convencidos de que é Deus que nos nutre, Ele não pode ser glorificado como Ele merece; nem podemos comer um pedaço de pão sem cometer sacrilégio; pelo que devemos prestar contas. Para que possamos legalmente usufruir destes benefícios, que foram concedidos a nós, devemos estar resolvidos sobre este ponto (como eu disse antes), que é Deus que nos nutre e nos alimenta.
Esta é a pureza aqui falada pelo apóstolo; quando diz que todas as coisas são puras, especialmente quando temos tal retidão em nós, de forma que não desprezamos os benefícios concedidos a outro, mas anelamos nosso pão de cada dia da mão de Deus, estando convencidos de que não temos o direito a isso, somente o recebemos como a misericórdia de Deus. Agora vejamos de onde vem essa pureza. Não vamos encontrá-la em nós mesmos, pois nos é dada pela fé. Diz São Pedro, os corações dos antigos pais foram purificados por este meio; a saber, quando Deus lhes deu fé (Atos 15).
É verdade que aqui ele considera a salvação eterna; porque éramos totalmente imundos até que Deus se revelou a nós, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo; que, sendo feito nosso Redentor, pagou o preço e o resgate de nossas almas. Mas esta doutrina pode, e deve ser aplicada ao que concerne à vida presente; pois até que saibamos que, sendo adotado em Jesus Cristo, somos filhos de Deus e, consequentemente, que a herança deste mundo é nossa, se tocarmos em um pedaço de carne, somos ladrões; pois fomos privados e banidos de todas as bênçãos que Deus fez, por causa do pecado de Adão até que obtenhamos a posse delas em nosso Senhor Jesus Cristo.
Portanto, é a fé que deve nos purificar. Assim, todos os alimentos serão puros para nós; isto é, podemos usá-los livremente, sem hesitação. Se os homens impõem leis espirituais sobre nós, não precisamos observá-las, assegurados de que tal obediência não pode agradar a Deus, pois ao fazê-lo, estabelecemos governantes para nos regular, tornando-os igual a Deus, que reserva todo o poder para Si mesmo. Assim, o governo da alma deve ser mantido são e salvo nas mãos de Deus. Portanto, se nós permitirmos tanta superioridade aos homens a ponto de permitimos que eles embrulhem nossas almas com as suas próprias faixas, nós mui diminuímos e rebaixamos o poder e o império que Deus tem sobre nós.
E, assim, a humildade que podemos ter ao obedecer as tradições dos homens seria pior do que toda a rebelião no mundo; porque isso está roubando a Deus de Sua honra, e concedendo, como que um despojo, para os homens mortais. São Paulo fala da superstição de alguns dos Judeus, que gostariam que os homens ainda observassem as sombras e figuras da lei; mas o Espírito Santo pronunciou uma sentença que deve ser observada até o fim do mundo: que Deus não nos obrigou, neste dia, a um fardo como foi carregado pelos antigos pais; mas ab-rogou a parte que Ele havia ordenado, em relação à abstenção de alimentos; pois era uma lei apena por um período.
Percebendo que Deus tem, assim, nos colocado em liberdade, que temeridade é que os vermes da terra façam novas leis; como se Deus não fosse sábio o suficiente. Quando nós alegamos isso contra os papistas, eles respondem que São Paulo falou dos Judeus, e de carnes que foram proibidas por lei. Isso é verdade, mas vejamos se essa resposta é para qualquer propósito, ou digna de aceitação. São Paulo não apenas diz que é lícito para nós usarmos o que era proibido, mas ele fala em termos gerais, dizendo que todas as coisas são puras. Assim, vemos que Deus aqui nos deu a liberdade, sobre a utilização de alimentos; de forma que Ele não nos manterá em sujeição, como eram os antigos pais.
Portanto, vendo que Deus revogou essa lei, que foi feita por Ele, e não a tem em vigor por mais tempo, o que devemos pensar quando vemos homens inventando tradições de si mesmos; e não se contentando com o que Deus tem revelado a eles? Em primeiro lugar, eles ainda se esforçam para manter a igreja de Cristo sob as restrições do Antigo Testamento. Mas Deus tem nos governado como homens maduros e prudentes, que não têm necessidade de instrução apropriada para crianças. Eles estabeleceram dispositivos humanos, e dizem que nós devemos mantê-los sob pena de pecado mortal; enquanto que Deus não terá a Sua própria lei a ser observada entre nós no dia de hoje, em relação aos tipos e sombras, porque isso tudo foi consumado na vinda de nosso Senhor Jesus Cristo.
Será que, então, é lícito observar o que os homens têm enquadrado em sua própria sabedoria? Não vemos que esta é uma questão que vai diretamente contra Deus? São Paulo põe-se contra esses enganadores: contra os que gostariam de vincular os cristãos à abstinência de alimentos que Deus havia ordenado em Sua lei. Se alguém diz: é apenas uma pequena questão de se abster de carne na Sexta-feira, ou na Quaresma, consideraremos se é uma questão pequena corromper e degradar o serviço de Deus! Porque, certamente, aqueles que prosseguem a promover e estabelecer a tradição dos homens se posicionam contra aquilo Deus determinou em Sua Palavra, e, portanto, cometem sacrilégio.
Percebendo que Deus deseja ser servido com obediência, tomemos cuidado de nos mantermos dentro daqueles limites que Deus estabeleceu; e não permitamos que os homens adicionem qualquer coisa deles mesmos a isso. Há algo pior nisso do que tudo isso: pois eles imaginam que a abstenção de comer alimentos é um serviço que merece algo de Deus. Eles pensam que isso é uma grande santidade; e, portanto, o serviço de Deus, que deveria ser espiritual, é banido, por assim dizer, enquanto os homens ocupam-se com ninharias tolas. É como expressa o ditado comum: eles deixam a maçã pelas cascas.
Devemos ser fiéis e firmes em nossa liberdade; devemos seguir a regra que nos é dada na Palavra de Deus, e não permitir que as nossas almas sejam trazidas coma escravas a novas leis forjadas por homens. Pois, é uma tirania infernal, que reduz a autoridade de Deus e mistura a Verdade do Evangelho com as figuras da Lei; perverte e corrompe o verdadeiro serviço de Deus, que deve ser espiritual. Portanto, consideremos quão precioso privilégio é dar graças a Deus, com tranquilidade de consciência, com a certeza que é a Sua vontade e deleite que devamos usufruir de Suas bênçãos, e para que possamos fazê-lo, não nos enredemos pelas superstições dos homens, mas nos contentemos com o que está contido na pura simplicidade do Evangelho. Então, como temos demonstrado sobre a primeira parte do nosso texto, para os que são puros, todas as coisas serão puras.
Quando recebemos o Senhor Jesus Cristo, sabemos que seremos purificados de nossa imundícia e máculas; pela Sua graça somos feitos participantes dos benefícios de Deus, e somos tomados por Seus filhos, embora não haja nada, senão vaidade em nós. “Mas nada é puro para os contaminados e infiéis”. Por isso São Paulo quer dizer que tudo quanto procede daqueles que são corrompidos e incrédulos não é aceitável a Deus, mas está cheio de contaminação. Enquanto eles são incrédulos, eles são sujos e imundos; e emquanto eles têm essa imundícia neles, tudo o que tocam se torna poluído com sua infâmia.
Portanto, todas as regras e leis que eles possam fazer nada serão, senão vaidade, porque Deus Se desagrada de tudo o que eles fazem; Sim, Ele absolutamente odeia isso. Embora os homens possam se atormentar com cerimônias e atos exteriores, ainda assim todas essas coisas são vãs até que eles se tornem retos de coração; pois, nisto inicia-se o real serviço a Deus. Então, enquanto somos infiéis, somos imundos diante de Deus.
Essas coisas deveriam ser evidentes para nós; mas a hipocrisia está tão enraizada dentro de nós que estamos aptos a negligenciá-las. Será prontamente confessado que não podemos agradar a Deus ao servi-Lo até que os nossos corações livrem-se da impiedade.
Deus se esforçou com o povo antigo sobre a mesma doutrina; como podemos perceber especialmente no segundo capítulo do profeta Ageu, onde Ele questiona aos sacerdotes: se um homem tocar uma coisa sagrada, se ele deve ser santificado ou não, os sacerdotes responderam: não. Pelo contrário, se um homem imundo tocar algo, se isso se tornará impuro ou não, os sacerdotes responderam: será imundo; assim é esta nação, diz o Senhor, e assim são as obras das suas mãos. Agora observemos o que está contido nas figuras e sombras da lei. Se um homem imundo houvesse manejado qualquer coisa, isso se tornaria imundo, e, portanto, deveria ser purificado. Nosso Senhor disse, considere o que sois, porque vós não tendes nada, senão imundícia e sujeira; ainda, não obstante, vós quereis contentar-me com os vossos sacrifícios, ofertas e outras coisas semelhantes. Mas Ele diz, enquanto suas mentes estiverem enredadas com concupiscências ímpias, enquanto alguns de vós sois impuros e adúlteros, blasfemos, e perjuros, enquanto estais cheios de malícia, crueldade e maldade, suas vidas são totalmente desregradas e cheias de toda a imundícia; não posso tolerar isso, muito embora quão justo possa parecer diante dos homens.
Vemos, então, que todos os serviços que podem ser realizados, até que sejamos verdadeiramente transformados em nossos corações, são apenas zombarias; e Deus condena e rejeita cada partícula deles. Mas quem crê que essas coisas são assim? Quando os ímpios, que são apanhados em sua maldade, sentem qualquer remorso de consciência, eles se esforçarão de uma maneira ou outra para ajustar-se com Engano, através da realização de algumas cerimônias: eles pensam que isso é suficiente para satisfazer as mentes dos homens, acreditando que Deus deve também ser satisfeito com os mesmos. Este é um costume que tem prevalecido em todas as eras.
Não é apenas neste texto do profeta Ageu que Deus repreende os homens por sua hipocrisia, e por pensar que eles podem obter Seu favor com ninharias, mas esta foi uma luta contínua que todos os profetas tiveram com os Judeus. Diz-se em Isaías 1:13-15: “Não continueis a trazer ofertas vãs; o incenso é para mim abominação, e as luas novas, e os sábados, e a convocação das assembleias; não posso suportar iniquidade, nem mesmo a reunião solene. As vossas luas novas, e as vossas solenidades, a minha alma as odeia; já me são pesadas; já estou cansado de as sofrer. Por isso, quando estendeis as vossas mãos, escondo de vós os meus olhos; e ainda que multipliqueis as vossas orações, não as ouvirei, porque as vossas mãos estão cheias de sangue”.
E mais uma vez, é dito: “E ainda que me ofereçais holocaustos, ofertas de alimentos, não me agradarei delas; nem atentarei para as ofertas pacíficas de vossos animais gordos” (Amós 5:22). Deus aqui nos mostra que as coisas que Ele mesmo ordenara eram imundas e impuras, quando fossem observadas e mal usadas por hipócritas. Portanto, aprendamos que quando os homens servem a Deus à sua maneira, eles iludem e enganam a si mesmos. Diz-se em outro texto, em Isaías: “quem requereu isto de vossas mãos?” (Isaías 1:12). Em que é manifestado que, se queremos que Deus aprove as nossas obras, elas devem estar de acordo com a Sua Divina Palavra.
Assim, vemos o que São Paulo indica quando diz que não há nada puro para os que são impuros. E por quê? Pois, mesmo o seu entendimento e consciência estão contaminados. Por isso ele mostra (como eu antes observei) que até tais tempos em que aprendemos a servir a Deus corretamente, de forma adequada, não faremos nada de bom em absoluto, por meio de nossas próprias obras; embora possamos congratular-nos de que elas são de grande importância, e por esses meios embalar-nos para dormir.
Vejamos quais são as tradições do papado. A finalidade principal delas é fazer um acordo com Deus, por suas obras de supererrogação, como eles as chamam; isto é, as suas obras excedentes; que são, quando eles fazem mais do que Deus os ordena. De acordo com suas próprias noções, eles executam seu dever para com Ele e contentam-nO com tal pagamento que advém de suas obras, e por isso prestam a sua conta. Quando eles jejuaram na noite de seus santos, quando eles se abstêm de comer carne nas sextas-feiras, quando eles assistiam à missa com devoção, quando eles tomam água benta, eles pensam que Deus não deve exigir mais nada deles e que não há nada errado neles.
Mas nesse meio tempo, eles não cessam de satisfazerem-se em lascívia, prostituição, falso testemunho, blasfêmia e etc. Cada um deles entrega-se aos vícios; ainda assim, não obstante, eles acham que Deus deve considera-Se bem pago, com as obras que Lhe ofereceram; como por exemplo, quando eles tomaram água benta, adoraram imagens, perambulavam de altar para altar, e outras coisas semelhantes, eles imaginam que efetuaram o pagamento e recompensa suficientes por seus pecados. Mas ouvimos a doutrina do Espírito Santo a respeito de como estão eles são contaminadas; que é: não há nada puro nem limpo em todas as suas obras.
Mas, colocaremos o caso supondo que todas as abominações dos romanistas não fossem más em sua própria natureza; ainda assim, não obstante, de acordo com esta doutrina de São Paulo, não pode haver nada além de impureza neles, pois eles mesmos são pecadores e impuros. A santidade desses homens consiste em quinquilharias e bugigangas. Eles se esforçam para servir a Deus nas coisas que Ele não exige deles, e ao mesmo tempo deixam por fazer as coisas que Ele ordenou em Sua lei.
Este foi o caso em todas as épocas, de modo que os homens rejeitaram a lei de Deus por causa de suas próprias tradições. Nosso Senhor Jesus Cristo censurou os fariseus, quando Ele diz: “Por que transgredis vós, também, o mandamento de Deus pela vossa tradição?” (Mateus 15:3). Assim, foi em tempos antigos, nos dias dos profetas. Isaías exclamou: “Porque o Senhor disse: Pois que este povo se aproxima de mim, e com a sua boca, e com os seus lábios me honra, mas o seu coração se afasta para longe de mim e o seu temor para comigo consiste só em mandamentos de homens, em que foi instruído; Portanto eis que continuarei a fazer uma obra maravilhosa no meio deste povo, uma obra maravilhosa e um assombro; porque a sabedoria dos seus sábios perecerá, e o entendimento dos seus prudentes se esconderá” (29:13-14). Enquanto os homens se ocupam com tradições, eles ignoram as coisas que Deus ordenou em Sua Palavra.
Isso é que fez com que Isaías clamasse contra os tais ao estabelecerem tradições de homens; dizendo-lhes claramente que Deus ameaçou cegar o mais sábio deles, porque eles se afastaram da pura regra de Sua Palavra para seguir suas próprias invenções tolas. São Paulo também faz alusão à mesma coisa, quando diz que eles não têm temor de Deus diante de seus olhos. Não enganemos a nós mesmos; pois sabemos que Deus requer que os homens vivam retamente, e abstenham-se de toda a violência, crueldade, malícia e engano; de forma que nenhuma dessas coisas deve aparecer em nossa vida. Mas àqueles que não têm temor de Deus diante de seus olhos, é evidente que eles são desenfreados, e que não há nada, senão impureza em toda a sua vida.
Se quisermos saber como nossa vida deve ser regulamentada, examinemos o conteúdo da Palavra de Deus; pois não podemos ser santificados pela aparência exterior e pompa, embora sejam tão altamente estimadas entre os homens. Devemos clamar a Deus com sinceridade, e colocar toda a nossa confiança n’Ele; devemos desistir do orgulho e presunção, e recorrer a Ele com verdadeira humildade de espírito para que não sejamos dados a paixões carnais. Nós devemos nos esforçar para nos manter em reverência, em sujeição a Deus, e fugir da gula, prostituição, excesso, roubo, blasfêmia e outros males. Assim, nós vemos o que Deus quer que façamos, a fim de ter nossa vida bem regulada.
Quando os homens querem se justificar por meio de obras exteriores, isto é como cobrir um monte de sujeira com um pano de linho limpo. Portanto, retiremos a imundície que está escondida em nossos corações; eu digo, afastemos o mal de nós, e então o Senhor aceitará a nossa vida: assim podemos ver no que consiste o verdadeiro conhecimento de Deus! Quando entendemos isso corretamente, isso nos levará a viver em obediência à Sua vontade. Os homens não se tornaram tão bestiais, como a não ter nenhuma compreensão de que existe um Deus que os criou. Mas esse conhecimento, se eles não submetem às Suas exigências, serve como uma condenação para eles, porque seus olhos estão vendados por Satanás; de modo que, embora o Evangelho seja pregado a eles, estes não entendem; vemos muitos nos dias de hoje nesta situação. Quantos há no mundo que foram ensinados pela doutrina do Evangelho, e ainda continuam em ignorância brutal!
Isto ocorre porque Satanás tem inclinado tanto as mentes dos homens com afeições ímpias que, embora a luz brilhe sempre tão resplandecente, eles ainda permanecem cegos, e não veem nada em absoluto. Aprendamos, então, que o verdadeiro conhecimento de Deus é de tal natureza que isto se evidencia, e produz fruto através de toda a nossa vida. Portanto, para conhecer a Deus, como São Paulo disse aos Coríntios, devemos ser transformados à Sua imagem. Porque, se nós fingimos conhecê-Lo, e, entretanto, a nossa vida encontra-se perdida e ímpia, não é necessária nenhuma testemunha que nos aponte como mentirosos; nossa própria vida dá testemunho suficiente de que somos zombadores e falsificadores, e que abusamos do nome de Deus.
São Paulo disse em outro lugar: se vos conheceis a Jesus Cristo, deveis vos despir do velho homem (Efésios 4:22); como se ele dissesse: não podemos declarar que conhecemos a Jesus Cristo, apenas por reconhecê-Lo em nossa cabeça, e por Seu receber-nos como Seus membros, o que não pode ser feito até que tenhamos lançado fora o velho homem, e nos tornado novas criaturas. O mundo, em todas as épocas, abusou impiamente do nome de Deus, como ainda o faz atualmente; portanto, tenhamos uma visão do verdadeiro conhecimento da Palavra de Deus, do qual São Paulo fala.
Finalmente, não coloquemos nossas próprias obras na balança, e digamos que elas são boas, e para que pensemos bem delas; mas compreendamos que as boas obras são aquelas que Deus ordenou em Sua lei e que tudo o que nós podemos fazer ao lado destas, não são nada. Portanto, aprendamos a moldar nossas vidas de acordo com o que Deus ordenou; coloquemos nossa confiança n’Ele, O invoquemos e Lhe demos graças, suportemos pacientemente tudo o que Lhe agrada nos conceder; lidemos retamente com os nossos próximos, e vivamos honestamente diante de todos os homens. Estas são as obras que Deus requer de nossas mãos.
Se não fôssemos tão perversos em nossa natureza, não haveria nenhum de nós, senão o que pudesse discernir estas coisas; mesmo as crianças teriam habilidade suficiente para discerni-las. As obras que Deus não ordenou são apenas tolice e uma abominação; pelo que o puro serviço a Deus é desfigurado. Se nós quisermos saber em que se constituem as boas obras de que fala São Paulo, devemos deixar de lado todas as invenções dos homens, e simplesmente seguir as instruções contidas na Palavra de Deus; pois não temos nenhuma outra regra além daquela que é dada por Ele; que é a que Ele aceitará, quando prestaremos as nossas contas no Último Dia, quando somente Ele será o Juiz de toda a humanidade.
Agora, prostremo-nos diante da face de nosso bom Deus, reconhecendo nossas faltas, orando para que Ele nos faça percebê-las mais claramente, e para que nos conceda tal confiança no nome de nosso Senhor Jesus Cristo, para que venhamos a Ele e tenhamos a certeza do perdão de nossos pecados; e que Ele nos fará participantes da santa fé, pela qual toda a nossa imundícia seja ser lavada.
João Calvino João Calvino (1509-1564) – Foi um teólogo, líder religioso e escritor francês. Foi o pai do Calvinismo, uma reforma protestante que impôs hábitos austeros e puritanos aos seus seguidores e que se espalhou por vários países da Europa Ocidental.
Nasceu em Noyon, na região da Picardia, no Norte da França, no dia 10 de julho de 1509. Filho do secretário episcopal da cidade ficou órfão de mãe aos seis anos de idade, sendo confiado aos cuidados de um aristocrata amigo da família. Ainda adolescente foi enviado para a Universidade de Paris para estudar Teologia. Em Paris, tomou contato com as ideias de Martinho Lutero.
Em 1529, em obediência às ordens do pai, Calvino foi para Orleans estudar Direito. Depois de formado voltou à Paris, abandonou a Igreja Romana e converteu-se ao protestantismo, iniciando uma fase de intensa colaboração com o reitor da Universidade de Paris, Nicolas Cop, quando este afirmou seu apoio às reformas de Martinho Lutero. Perseguido em Paris, onde o protestantismo foi declarado ilegal, Calvino abandonou a França e instalou-se na Basileia, Suíça, onde em 1536, publicou sua obra fundamental, “Instituição da Religião Cristã”, que reunia suas doutrinas protestantes.
Fonte: “The Reformed Sermon Archives”. As citações bíblicas desta tradução são da versão ACRF (Almeida Corrigida Revista e Fiel).