A Igreja Peregrina

O objectivo destes estudos é apresentar algumas informações sobre as igrejas e sobre alguns irmãos que, através dos séculos, procuraram seguir fielmente o padrão do Novo Testamento. O título “A Igreja Peregrina” vem do livro, escrito em inglês por Edmund Hamer Broadbent (1861 – 1945), publicado em 1931, depois de muitos anos de pesquisa. É uma história de igrejas e irmãos que, através dos séculos, têm procurado seguir o padrão neo-testamentário para a igreja.

I – COMO ERAM AS IGREJAS APOSTÓLICAS?

Damos, a seguir, um resumo de algumas das principais crenças e práticas que caracterizavam as referidas igrejas:

  1. Reuniam-se unicamente em Nome de Cristo.
  2. Exerciam autonomia administrativa, com laços calorosos de amor fraternal entre as igrejas.
  3. Eram governadas por anciãos (presbíteros), também chamados bispos (superintendentes), sempre na pluralidade.
  4. Eram ensinadas por Mestres que de Deus tinham recebido este dom e eram levantados pelo Espírito Santo dentro destas mesmas igrejas. Recebiam ajuda de irmãos visitantes que possuíam este mesmo dom.
  5. Celebravam a ceia do Senhor todos os primeiros dias da semana. Era uma simples refeição de pão e vinho, que simbolizavam o corpo do Senhor Jesus Cristo e o Seu sangue derramado. O Domingo era também o dia quando as igrejas levantavam as ofertas (recolhidas apenas dos crentes!) para a obra do Senhor.
  6. Batizavam os crentes verdadeiros, não crianças, nem gente em massa, sem compreensão do Evangelho verdadeiro.
  7. Pregavam o Evangelho puro da justificação pela fé, baseada unicamente na morte expiatória do Senhor Jesus.

II – O DECLÍNIO E ABANDONO DO PADRÃO NEO-TESTAMENTÁRIO

Aconteceu tão cedo! Não devemos, porém, surpreender-nos com estes factos, pois no próprio Novo Testamento já vemos o indício de que isto iria acontecer.

1. Distinção entre “clérigo” e “leigo”

É interessante notar que nas cartas de Clemente aos Coríntios (cerca de 96 d.C.) e no livrinho chamado Didaquê (começo do século II) ainda são mencionados somente bispos e diáconos (no plural), como em Filipenses 1.1. Já havia, porém, a tendência antibíblica de fazer nítida distinção entre os bispos (anciãos) e os demais crentes. Os bispos eram chamados “clérigos” (os que receberam ordens sacras), enquanto os demais crentes eram chamados “leigos” (do povo). Uma triste distinção que continua na maioria das “igrejas” até hoje.

2. Distinção feita entre “o bispo” e os “presbíteros”, sendo dada ao bispo a preeminência na Igreja

Traçamos este declínio através das cartas de Inácio de Antioquia, um conhecido do apóstolo João. Ele foi condenado à morte pelo imperador Trajano, no ano 110 d.C.. A sentença foi cumprida em Roma e durante a viagem para lá Inácio escreveu várias cartas para as igrejas que visitara no caminho. Em todas ele exalta o bispo da igreja e exorta à obediência total ao mesmo. Um exemplo disto temos na carta por ele enviada à igreja de Filadélfia: “Tende cuidado, portanto, em observar a eucaristia … há um altar, como há um só bispo, juntamente com os presbíteros e diáconos”. Deve ser dito que Inácio era um irmão fiel que enfrentou a morte pelas feras em Roma com coragem exemplar. É uma ilustração de como irmãos bons e fiéis, apesar de sua sinceridade, estão sujeitos a ensinar coisas erradas!

3. Organização das Igrejas fora do nível local

Do século III em diante os bispos das igrejas das cidades maiores reivindicaram autoridade sobre os bispos das igrejas menores. Pela “lógica” o bispo de Roma (a capital do Império) tomou a precedência, assim formando a base para o sistema papal que vigora até hoje. A interferência nos assuntos internos de outra igreja local, por mais bem intencionada que seja, por parte dos anciãos duma igreja local vizinha ou por parte de obreiros, nunca traz resultados espiritualmente positivos, pois viola os direitos d’Aquele que ainda “anda no meio dos … candeeiros de ouro” (Ap 2.1).

4. Outros desvios da verdade

  • A reverência aos mártires, da qual resultou a criação dos “santos” (século II em diante).
  • O “batismo” de bebés, introduzido nos séculos II e III, tomou-se geral nos séculos IV e V.
  • Deturpação do Evangelho. Os filhos dos crentes, por causa dos pais, receberam o privilégio especial de serem também considerados membros da “igreja”. A pregação da salvação pelas obras, tão combatida por Paulo nas cartas aos Romanos e aos Gálatas, tomou-se comum.

5. O desastre maior – a fusão da Igreja com o Estado

Esta fusão aconteceu como resultado da suposta conversão do Imperador Constantino, o Grande (273-334 d.C.). Na noite anterior a uma batalha decisiva na Ponte Múlvia (27 de outubro de 312 d.C.), quando Constantino derrotou Maxêncio e tomou-se imperador com poderes absolutos, ele disse ter visto uma cruz no céu com os dizeres: “Com este sinal vencerás”. Ele ganhou a batalha e tornou-se cristão nominal. Esta “conversão” parece ter sido um ato de astúcia política devido à existência de grande número de cristãos e à influência por eles exercida. Gene Edwards diz que “Constantino deve ser considerado o primeiro cristão medieval – 90% cristão de nome e 90% pagão em pensamento”. Visto que era Imperador e mandava em tudo, logicamente quis mandar na igreja. Como resultado o erro entrou na igreja como uma enxurrada. Dr. Arthur Rendle Short escreveu: “Quando o poder do paganismo foi, por fim, derrubado e a perseguição cedeu lugar à prosperidade, os males vieram como numa torrente.

A igreja exterior e visível fez toda sorte de concessão a fim de cativar o povo. Passou a adotar festas pagãs e deuses pagãos, dando-lhes nomes cristãos. A estátua de Pedro em Roma, originalmente era de Júpiter! Uma Vénus ou uma Minerva facilmente transformaram-se na Virgem Maria. O que faltava em realidade espiritual no culto tentava-se suprir com música, cerimonialismo e ostentação.

Não precisamos prosseguir fazendo menção da história miserável de como uma sucessão de papas, às vezes assassinos, adúlteros e amantes de dinheiro, reivindicou infalibilidade papal, tirou a Bíblia das mãos do povo e fez da conformidade a uma “igreja” que adorava imagens a suprema prova da salvação de uma pessoa”.

6. O ensino de Agostinho

Aurelius Augustinus, ou Agostinho (334 – 430 d. C.), bispo de Hipona, na África do Norte, foi um cristão genuinamente convertido e, sem dúvida, foi um gigante espiritual em muitos sentidos, mas infelizmente deixou também muito ensino errado. Entre outras coisas, insistia obstinadamente em ensinar que não há salvação fora da Igreja Católica Romana.

Outro ensino dele que veio a causar o derramamento de rios de sangue de membros da igreja verdadeira foi o suposto direito do poder civil, de exigir a aceitação obrigatória do ensino da igreja , punindo até à morte, se necessário fosse, aos que não aceitassem. Baseou este ensino perverso na parábola da grande ceia, em Lc 14.15-24, onde o mestre da casa, depois de ter recebido tantas recusas ao convite para a sua festa, e ainda havendo lugar, mesmo depois de receber muitos pobres e enfermos a quem mandara convidar, ordenou ao seu servo: “Sai pelos caminhos e valados e força-os a entrar”. Isto demonstra claramente o grande perigo de basear qualquer ensino em versículos fora de contexto.

Por fazer isso, Agostinho, que pela sua estatura moral era credor da confiança de muitos, levou-os, apoiados por aquele ensino, a praticarem o mal contra o povo do Senhor.

III – TRÊS CORRENTES NA HISTÓRIA DA IGREJA

1. Catolicismo Romano em seus vários ramos: Romano, Ortodoxo, etc. de 312 d.C. até hoje. Entre estes sobressaem-se alguns nomes bem conhecidos, como Agostinho, Tomás de Aquino, Inácio Loyola, Savonarola e muitos papas. Damos graças a Deus porque alguns, mesmo no meio de tamanho erro, amaram realmente o Senhor Jesus e confiaram somente n’Ele e, não, nos méritos dos santos, de Maria, ou nos seus próprios méritos para a salvação.

2. Protestantismo em seus muitos ramos, começando na época da Reforma, do século XVI até hoje. Entre estes ramos encontramos também nomes destacados como Ulrico Zwinglio, Martinho Lutero, Jônatas Edwards, John Wesley, John Knox, Jean Calvin, Guilherme Carey, George Whitefield, David Martyn Lloyd-Jones, Charles Wesley, Charles Haddon Spurgeon, Charles Finney, Billy Graham e muitos outros. Quantos irmãos bons e fiéis, mas, infelizmente, ligados a sistemas sem apoio nenhum da Palavra de Deus!

Billy Graham Charles G. Finney C. H. Spurgeon
D. M. Lloyd-Jones John Wesley Willian Carey

3. Cristãos não denominacionais. Referimo-nos a Igrejas, irmãos e irmãs que desde os dias dos apóstolos até hoje têm procurado permanecer fora dos sistemas dos homens e servir apenas ao Senhor Jesus, reunindo-se em Nome d’Ele e procurando obedecer às instruções do Novo Testamento concernentes à Igreja local. Estes têm sido tachados de muitos nomes pelos seus contemporâneos: Paulícios, Bogomilos, Valdenses, Albigenses, Lollardos, Hussitas, Anabatistas, Irmãos de Plymouth, Darbistas e muitos outros. Estas igrejas existiram desde o início, pois sempre houve igrejas que não chegaram a unir-se ao sistema católico e através dos séculos, num lugar ou outro, existiram e existem igrejas semelhantes orientadas somente pela Palavra de Deus.

O livro de Apocalipse indica que existiria na história das igrejas períodos de declínio espiritual e épocas quando o Senhor até retiraria o candeeiro de um logar ou outro, mas de uma coisa podemos ter certeza: até que Cristo volte para buscar os Seus sempre haverá irmãos e irmãs fiéis à Palavra dEle!

IV – UM RESUMO DOS FACTORES EM COMUM ENTRE AS IGREJAS QUE PERMANECERAM FIÉIS AO PADRÃO NEO-TESTAMENTÁRIO.

  1. Davam grande ênfase às Escrituras.
  2. Eram profundamente espirituais.
  3. Eram piedosas no viver.
  4. Permaneciam escondidas do mundo.
  5. Enfrentavam ferrenha oposição. Muitas vezes reuniam-se em casas particulares por causa da perseguição movida contra elas.
  6. Eram caracterizadas por grande simplicidade. Geralmente cada igreja era autônoma, embora houvesse plena comunhão mútua, pois reuniam-se frequentemente para estudo bíblico e outras atividades.
  7. Não aceitavam nenhum nome a não ser os nomes bíblicos: “irmão”, “cristão”, etc.
  8. A maioria delas não estava sujeita ao clero.
  9. Provaram as bênção de Deus só por uma geração ou duas, embora alguns, (p. ex. Paulícios, Valdenses) tivessem-na gozado por centenas de anos.
  10. Eram ignorados pelos historiadores da Igreja.
  11. Muitas vezes foram perseguidas e seus membros foram martirizados (com excepção dos apelidados “Os Irmãos”).
  12. Influenciavam umas às outras.

Especialmente no período anterior a 1500 é difícil encontrar documentos confiáveis devido tanto à perseguição quanto à mentira das autoridades eclesiásticas.

V – OS PRISCILIANOS (350 – 386 d.C.)

No século IV apareceu um reformador entre as igrejas romanas cuja influência em diversos lugares na Espanha, Lusitânia (Portugal) e sul da França fez com que muitos voltassem à palavra de Deus. Prisciliano era um espanhol de posses e posição na sociedade. Procurou a verdadeira alegria nas religiões pagãs, na filosofia e mesmo entre grupos heréticos e só a encontrou quando, por fim, converteu-se a Cristo. Foi batizado e passou a viver uma nova vida de devoção a Deus e separação do mundo. Tornou-se estudante entusiástico da Palavra de Deus e, embora não sendo clérigo, começou a pregar e ensinar. Cedo começaram a aparecer os resultados dos esforços daquele dedicado servo de Deus: em muitos lugares começaram a ser promovidas reuniões para pregar a Palavra de Deus e torná-la uma realidade para o povo.

De início a igreja oficial dava o seu apoio e até elegeu Prisciliano bispo de Ávila, mas o seu testemunho fiel suscitou a ira do clero mundano liderado por Hidácio, bispo metropolitano de Lusitânia (Portugal). Conseguiu este a convocação de um Sínodo em Saragossa, em 380 d.C., no qual Prisciliano foi falsamente acusado de adesão às heresias do gnosticismo e maniqueísmo. Esta última ensinava o dualismo – a existência de dois deuses igualmente poderosos, um criador do mal e outro criador do bem. Nesta reunião, porém, o propósito de Hidácio não teve êxito e Prisciliano continuou pregando.

O imperador Máximo, porém, necessitava o apoio político do clero espanhol e por causa disso permitiu a convocação de outro sínodo, desta vez em Treves (Trier), em 385 d.C., quando Prisciliano e seis outros foram levados perante os bispos. Devido a influência de um bispo perverso chamado Ítaco, foram forjadas e aceitas acusações de feitiçaria e imoralidade contra Prisciliano e seus companheiros, os quais foram julgados e condenados pelo poder civil. Prisciliano e mais alguns irmãos foram executados. Além destes, morreu também uma senhora distinta, chamada Eucrácia, que era viúva de um poeta e orador famoso. Estes foram os primeiros cristãos que foram perseguidos por outros “cristãos”, ocasionando a abertura de um péssimo precedente que seria repetido muitas vezes nos anos futuros.

Dois bispos mais nobres, Martinho de Tours e Ambrósio de Milão, protestaram vigorosamente e por fim, conseguiram que Ítaco perdesse o seu bispado. Mesmo assim, aquela decisão do Sínodo de Treves recebeu a aprovação de outro Sínodo, em Braga, 176 anos mais tarde. Ficou registrado como história “oficial” que Prisciliano e seus companheiros eram hereges que criam no gnosticismo e maniqueísmo e, além disso, eram pessoas imorais. Por causa disso os “priscilianos” foram caçados e perseguidos e essa versão “oficial” teria prevalecido, não fora a ocorrência de um fato novo e inesperado. Prisciliano escrevera muito e pensavam que todos os seus escritos estavam perdidos até 1886, quando um pesquisador chamado George Schepss descobriu na Universidade de Würzburg um manuscrito de 11 panfletos de Prisciliano, nos quais entre outras coisas ele:

  1. Cita frequentemente as Escrituras para provar o que afirma.
  2. Defende o costume da realização de reuniões de estudo bíblico nas quais todos possam participar.
  3. Afirma que a redenção não é um ato mágico feito pela Igreja, mas uma obra de Deus.
  4. Diz que a Igreja prega o Evangelho, mas cada um individualmente tem de crer.
  5. Explica que o clero não é dotado de nenhum poder espiritual especial, mas que todos os irmãos têm o Espírito na mesma medida.
  6. Posiciona-se contra o gnosticismo e maniqueísmo, demonstrando ser mentirosa a história oficial.

Sem dúvida, se tivessem tido tempo suficiente, estes irmãos teriam saído do sistema em que se encontravam e que tão cruelmente fê-los pagar, pela perda de sua reputação e o sacrifício de suas próprias vidas, o preço de serem fiéis a Cristo.

VI – OS PAULÍCIOS (50 – 1473 d.C.)

Voltando para as igrejas que nunca aderiram ao sistema romano, passamos a considerar as igrejas da região chamada “Ásia Menor”, (hoje Turquia e parte da antiga União Soviética), as quais permaneceram nas primeiras verdades. Estas foram também acusadas de adotar o maniqueísmo, mas segundo os seus próprios escritos não há a menor evidência disso.

Estes irmãos não aceitavam nenhum nome sectário e chamavam-se uns aos outros simplesmente de irmãos ou cristãos. Contentavam-se em fazer parte da “santa, universal e apostólica igreja de nosso Senhor Jesus Cristo”. Cada igreja era autônoma, diretamente responsável ao Senhor Jesus. Recusaram-se a manter comunhão com as igrejas romana, grega e armênia por causa da infidelidade delas. Afirmaram que elas não tinham mais o direito de serem reconhecidas como igrejas verdadeiras e apresentaram várias razões nas quais fundamentaram o seu posicionamento.

  1. A união das igrejas com o estado.
  2. O “batismo” de crianças.
  3. A permissão da participação de descrentes na Ceia do Senhor.
  4. Outros males que haviam sido introduzidos.

Estes irmãos e igrejas fiéis foram alcunhados com os nomes de “Paulícios” (não se sabe por quê), ou de “Thonraks”, por serem eles mais numerosos na cidade que tinha aquele nome, e mais tarde, quando chegaram à região hoje chamada Bósnia, foram chamados de “Bogomilos”, palavra eslavônia que significa “amigos de Deus”. Este movimento espiritual continuou por centenas de anos. Quase toda a sua literatura foi destruída, mas permaneceu um livro chamado “A Chave da Verdade”, publicado entre os séculos 7 e 9, o qual apresenta as crenças dos Paulícios de Thonrak daquela época. Apresentamos, abaixo alguns pontos de interesse:

  1. O batismo deve ser ministrado apenas a crentes verdadeiros.
  2. Deve ser realizado em rios ou outra água, ao ar livre.
  3. O batizando deve ajoelhar-se na água e confessar a sua fé perante o povo.
  4. O batizador deve ser um homem moralmente irrepreensível.
  5. A reunião do batismo deve ser acompanhada pela leitura da Palavra e pela oração.

Alguns nomes de líderes daquelas igrejas ainda são conhecidos. Entre eles consta o de Constantino (que mais tarde adotou o nome de Silvano). Este foi convertido no ano de 653 d.C., quando passou pela casa dele um armênio que fora prisioneiro dos turcos, fora libertado e estava no caminho de volta para casa. Ele ficou muito grato a Constantino pela hospitalidade e deu-lhe um manuscrito contendo os 4 Evangelhos e as epístolas de Paulo. Constantino leu, converteu-se e tornou-se um obreiro incansável. Fixou residência em Quibossa, na Armênia, mas passou a viajar muito para vários lugares ao redor. O resultado deste esforço foi a conversão de muitos católicos e pagãos.

Após trinta anos de trabalho incansável foi Constantino Silvano denunciado a Constantino Pognotus, imperador da parte oriental do Império Romano, o qual emitiu um decreto em 684 d.C. determinando a morte daquele fiel servo do Senhor. Um oficial chamado Simeão foi enviado para cumprir o decreto. Este colocou pedras nas mãos dos próprios amigos de Constantino Silvano e determinou que eles executassem o apedrejamento do mestre tão amado, julgando com isto dar um significado especial àquele ato. Todos, porém, com uma única exceção, arriscando as suas próprias vidas, negaram-se a atirar as pedras. A exceção foi um jovem chamado Justo (que de justo só tinha o nome), que fora criado por Constantino e da parte dele fora agraciado com especial bondade, arremessou uma pedra que atingiu e matou o seu benfeitor, recebendo com isto grande louvor das autoridades. Assim, o falso “Justo” transformou-se em verdadeiro Judas.

Mas este não é o fim da história! Simeão, o oficial responsável por aquele assassinato, ficou tão impressionado pelo que viu em Quibossa, que não teve mais paz de espírito quando voltou à corte do Imperador. Após três anos de intenso conflito íntimo converteu-se a Cristo e abandonou tudo, voltando para Quibossa. Ali mudou o seu nome para Tito e continuou o trabalho iniciado por Constantino. Dentro de pouco tempo, porém, Justo, o mesmo traidor que apedrejara Constantino Silvano entregou-o ao Imperador, juntamente com muitos outros cristãos, o qual mandou que todos fossem queimados vivos, esperando com isto infundir terror a todos quantos pertencessem àquela “seita”.

Entretanto, aquela medida produziu efeito contrário! Tal foi a demonstração de fé e coragem daqueles irmãos na hora da sua morte, que milhares de outros foram encorajados a continuar ousadamente o trabalho! Isto confirma que, como alguém tem dito, “a perseguição é somente a segunda alternativa do diabo para destruir a obra de Deus. O melhor mesmo é a divisão e dissenção internas”.

Finalmente, depois de muitos anos, nos séculos 14 e 15, aquelas igrejas declinaram e desapareceram. Algumas aliaram-se à Igreja Católica devido à perseguição da Igreja Armênia. Outras, numa outra região, aliaram-se aos muçulmanos e o resultado foi a extinção. O princípio de aliar-se com alguém só porque tem o mesmo inimigo nunca foi uma boa ideia. É preciso ter muito mais em comum.

VII – OS VALDENSES E ALBIGENSES (50 – 1500 d.C.)

Nos vales alpinos da região de Piemonte, na Itália, também houve igrejas que continuaram o seu testemunho desde a época dos apóstolos. Estas, como os Paulícios, nunca se associaram ao esquema oficial baseado em Roma. Elas foram deixadas em paz, comparativamente sem perseguição, principalmente devido ao isolamento causado pela inacessibilidade das montanhas onde habitavam, pois, como bem sabemos, naquela época não existiam as facilidades de transporte de que hoje dispomos.

No ano de 1689 um escritor declarou: “Os Valdenses são, de fato, descendentes daqueles que fugiram da Itália depois que São Paulo pregou o Evangelho entre eles. Eles abandonaram a seus pais e foram morar nas montanhas, onde, daquela época até hoje, têm pregado o Evangelho de pai para filho na mesma pureza e simplicidade como foi pregado por São Paulo”.

O nome “Valdense”, com que foram alcunhados por outros, vem de Pedro Valdo (? – 1217), de Leão, na França, um ensinador eminente entre eles no século 12. Pedro Valdo era um comerciante e banqueiro bem sucedido e nunca havia pensado em Deus até o dia quando um de seus convidados morreu repentinamente numa festa por ele promovida. Ele viu, então, a sua grande necessidade de salvação e converteu-se a Cristo. Tornou-se um estudioso das Escrituras até que, em 1173 vendeu quase todos os seus bens, apenas fazendo provisão para a sua esposa e saiu pregando o Evangelho. Logo outros juntaram-se a ele. De início tentaram acomodar-se ao sistema vigente na Igreja Católica, mas já em 1184 foram excomungados. O grupo passou a ser visto como uma “seita” que ficou conhecida como “Os pobres de Lião”. Como resultado do seu testemunho houve conversões até na Alemanha. Pedro Valdo foi um dos poucos pregadores que faleceu de morte natural, em 1217, na Boêmia (Atual República Checa).

A influência de Pedro Valdo sobre aquelas igrejas foi grande, especialmente com respeito à responsabilidade de evangelizar. Até então elas estavam contentes em ficar apenas na região deles, mas receberam grande impulso para a evangelização quando Pedro Valdo e seus companheiros compartilharam com elas uma nova visão de outros lugares necessitados da palavra da cruz.

Em termos de doutrina prática, seguiam a simplicidade que criam ser o padrão do Novo Testamento.

  1. Cada igreja local era governada por anciãos.
  2. O batismo de crianças de colo era rejeitado e somente os crentes verdadeiros podiam ser baptizados.
  3. Em questões de disciplina, reconhecimento de anciãos, etc., toda a igreja participava juntamente com os anciãos. É lógico que este ponto de vista seria certo somente se os assuntos de disciplina fossem tratados primeiramente pelos anciãos, para que fosse dada orientação bíblica e fosse eliminada a possibilidade de serem as decisões tomadas com base em falsas acusações.
  4. Na celebração da Ceia do Senhor o pão era compartilhado por todos, tanto quanto o vinho, ao contrário da prática adotada pela Igreja Católica.
  5. Além dos anciãos nas igrejas locais, existia um grupo de irmãos, que eles chamavam de “apóstolos” (equivalente a “obreiros” nos dias de hoje). Estes irmãos viajavam de igreja em igreja trabalhando no ensino da Palavra. Viviam uma vida de pobreza voluntária por causa do Evangelho.
  6. Era dada ênfase à leitura diária da Bíblia e ao culto familiar. Conferências eram promovidas com frequência para ensino da Palavra e estímulo da comunhão entre os irmãos.

Porém, a paz no vale dos Valdenses foi interrompida em 1380 pelo Papa Clemente VII. Este enviou um monge inquisidor para tratar com os “hereges”. Nos treze anos seguintes mais de 230 pessoas morreram queimadas vivas. De 1400 em diante a perseguição aumentou, obrigando muitos a fugir para as montanhas onde morreram de frio e fome, especialmente mulheres e crianças. Esta perseguição estendeu-se por mais de cem anos. Mais tarde houve alguma ligação entre estes irmãos e os Anabatistas, dos quais trataremos mais adiante, e ainda hoje existe a denominação dos Valdenses, porém é um grupo totalmente formal e morto. Este facto é, certamente, um aviso para todos nós!

VIII – OS LOLLARDOS, HUSSITAS E IRMÃOS UNIDOS (1300 – 1500 d.C.)

Este estudo não nos permite mencionar em maiores detalhes os movimentos nos séculos 14 e 15, quando houve uma volta ao ensino das Escrituras. Havia na Inglaterra pessoas que eram chamadas de “Lollardos”, cujo significado é “palradores”, ou, “aqueles que falam bobagem” (At 17.18). Eram pessoas sinceras que reuniam-se à procura dum caminho melhor. É verdade que havia no meio deles uma certa preocupação política, mas a sua preocupação maior era espiritual, era o desejo de voltar ao ensino puro da Bíblia.

Havia naquela época um homem cuja valiosa liderança muito beneficiou o grupo. Referimo-nos a John Wycliffe (1320 – 1384), professor catedrático na Universidade de Oxford. Este traduziu a Bíblia para a língua inglesa. A igreja tentou persegui-lo, mas nada conseguiu por ter ele a proteção de amigos importantes. Muitos Lollardos, porém, pagaram com as próprias vidas o preço de sua fé, especialmente de 1400 em diante, quando, como já temos visto no caso dos Valdenses, a perseguição tornou-se terrivelmente mais feroz. Uma nova lei foi promulgada na Inglaterra exigindo que os hereges (assim chamados) fossem queimados vivos.

Um dos primeiros executados foi John Badby, que foi queimado na presença do então Príncipe de Gales, mais tarde o rei Henrique V. Quando Badby foi atirado à fogueira foi ouvido um grito pedindo misericórdia e o Príncipe Henrique ordenou que ele fosse retirado das chamas.

Levado à presença real, perguntou-lhe o príncipe se ele estava disposto a abandonar a “heresia” e voltar para a Igreja, oferecendo-lhe, ao mesmo tempo um ano de sustento se ele assim fizesse.

Qual não foi a sua surpresa ao descobrir que Badby não clamara pedindo socorro aos seus algozes, mas suplicara a misericórdia divina para suportar as chamas! Percebendo que o “herege” nada mudara quanto à sua doutrina, mandou que o atirassem novamente à fogueira.

Ao mesmo tempo as igrejas continuavam na Boêmia, onde Pedro Valdo morreu em 1217. Um homem muito influente entre eles era John Huss (1369 – 1415), o qual, por sua vez, foi influenciado por John Wycliffe.

John Huss, embora sendo um encorajador daqueles crentes que estavam fora do sistema eclesiástico, desejava continuar sendo um bom católico. Ele foi convocado para um concílio em Constância, com a garantia do imperador de que não seria molestado. Se fosse chamado a Roma ele não iria porque não confiava no Papa. Foi a Constância confiando na palavra do imperador, mas foi traído pelos bispos e levado a um julgamento que, na realidade, foi uma farsa (tal como o do seu Senhor), após o qual foi queimado vivo.

Os verdadeiros seguidores do Evangelho passaram, então, a ser tratados por uma nova alcunha – “Hussitas”. Era mais um rótulo entre os muitos que foram colocados sobre os fiéis seguidores do Senhor Jesus através da História do Cristianismo. Os Hussitas, conhecidos também como “Irmãos Unidos”, foram grandemente afligidos, passaram por toda sorte de privações e muitos foram mortos, embora tenha havido breves períodos quando as autoridades civis pareciam cansar-se do ódio implacável que nutriam contra a igreja e deixavam os crentes provisoriamente em paz.

O exemplo de altruísmo, dedicação, fidelidade e amor a Cristo demonstrado por aqueles irmãos deve inspirar-nos a uma vida de consagração, testemunho e serviço para o Senhor nestes dias de liberdade de culto em que vivemos em nossa Pátria.

IX – A INFLUÊNCIA DA REFORMA PROTESTANTE

O início do século XVI viu a invenção da impressora mecânica. Como resultado da nova invenção tornou-se fácil como nunca anteriormente, a produção de Bíblias, panfletos e livros para serem distribuídos. Uma nova versão do Novo Testamento grego, com uma nova tradução para o latim foi produzida em 1516 por Desidério Erasmo (1419 – 1536), um erudito holandês. Aquela foi a base de todas as traduções bíblicas daquela época, razão pela qual foi cognominada “o ovo de Erasmo”!

Do ano de 1520 em diante houve a assim chamada “Reforma Protestante”, que ocorreu em vários lugares, tais como Alemanha, Suíça, Holanda, Escócia e com muito mais mistura, Inglaterra. Entre os líderes principais daquele movimento, destacam-se Martinho Lutero (1483 – 1546), na Alemanha, Ulrico Zwinglio (1484 – 1531), em Zurique, na Suíça e, mais tarde, Jean Calvin (1509 – 1564), em Genebra, na Suíça e John Knox (1514 – 1572, na Escócia. Estes foram grandes homens, santos e ousados que o Senhor usou e abençoou na Sua obra. Mantiveram, porém, coisas que bem poderiam ter sido eliminadas para sempre.

O problema básico da reforma foi terem os reformadores procurado acomodar-se ao poder civil mediante a tentativa de uma conciliação entre ideias bíblicas e não bíblicas. Com o passar do tempo tentaram eles justificar algumas de suas ideias mediante um apelo ao Velho Testamento. Ensinavam, por exemplo, que não há distinção entre Israel, o povo terrestre, e a Igreja, o povo celestial de Deus. Com isto tentavam apresentar a nação de Israel como base para a existência de uma “igreja nacional”. Baseavam-se, também, no rito judaico da circuncisão para tentarem justificar a prática errada do batismo de crianças de colo. O sistema clerical protestante tem, até hoje, a sua razão de ser no sistema sacerdotal judaico. O famoso poeta inglês John Milton, autor da não menos famosa obra “Paraíso Perdido”, embora tivesse pontos de vista errados acerca de outros assuntos, revelou percepção a respeito deste quando escreveu que “o novo presbítero é simplesmente uma nova versão do velho padre”.

Em alguns ramos do protestantismo a ideia de prédios especiais e mesmo vestimentas especiais para os pastores, foi, também, tirada do Velho Testamento. É importantíssimo ter discernimento das dispensações divinas e compreender a diferença que há entre “judeus, gentios e a igreja de Deus”(I Cor 10.32 – Obs.: a versão Revista e Corrigida traduz aqui “gregos” em vez de “gentios”, como fazem outras versões. “Grego”é uma tradução tecnicamente correta, mas visto que a cultura grega era tão difundida naquela época, que o vocábulo “grego”tornou-se sinônimo de “gentio”, julgamos ser este o sentido correto neste caso).

Damos graças a Deus pelos reformadores que redescobriram as verdades preciosas a respeito do Evangelho e muitas verdades a respeito da vida cristã. Os calvinistas do século XVII, conhecidos como “puritanos”, deram ênfase maior à aplicação destas verdades no viver diário do crente. Mas quanto às verdades concernentes à Igreja, nem os reformadores, nem a maioria dos puritanos voltaram às verdades do padrão do Novo Testamento. Por essa razão o povo de Deus sofre até hoje com tantas ideias não bíblicas a respeito deste assunto. Há um clamor, pela volta aos padrões puritanos, outros desejam voltar aos princípios dos reformadores. Há outros, ainda, que desejam voltar aos valores de John Nelson Darby e dos primeiros “Irmãos”. Outros, ainda, preferem os valores dos primeiros obreiros que levaram o Evangelho à região deles, enquanto outros mais empenham-se em olhar apenas para os atuais ensinadores ou para o padrão praticado por outras igrejas.

Devemos concordar com tudo isto? Não, não e não! Devemos, sim, dar graças a Deus por estes irmãos e por tudo o que eles ensinaram com grande luta e sofrimento, devemos honrar a memória deles e aproveitar o ensino que nos deixaram, em tudo quanto tal ensino seja fiel à Palavra de Deus. Porém, quer como cristãos, individualmente, quer como igrejas locais, coletivamente, nossa aspiração deve ser uma só – a volta às verdades preciosas e inspiradas da Palavra de Deus. Ela é o único padrão confiável, o único guia seguro pelo qual podemos comparar o presente e o passado (I Cor 3.18-23 e Hb 13.7-8).

X – OS ANABATISTAS

Um novo nome foi dado, na época da Reforma, às igrejas antigas que desejavam seguir os princípios da Palavra: “anabatista”, ou seja, rebatizador, porque aqueles irmãos não aceitavam como legítimo o “batismo” de crianças. Naqueles dias receberam eles grande impulso pela adesão de alguns irmãos bem capacitados que estavam com os reformadores, mas chegaram à conclusão de que estes não estavam, de facto, obedecendo plenamente às Escrituras. Isto aconteceu de modo muito especial em Zurique, entre 1523 e 1524, quando ocorreram discordâncias entre Ulrico Zwinglio e um grupo de irmãos jovens que até então o acompanhavam. Zwinglio compreendera que, segundo as Escrituras, o batismo é aplicável aos crentes e que era errada a prática do batismo infantil então vigente, mas, apertado pelas pressões políticas, voltou atrás.

Em 21 de janeiro de 1525, doze homens reuniram-se em casa de Conrado Grebel (? – 1526), onde foi ministrado um batismo. Um ex-padre, chamado Jorge Blaurock (1491 – 1529) baptizou Grebel sob sua confissão de fé como crente no Senhor Jesus Cristo. Este, por sua vez, baptizou os demais. O acréscimo destes dois irmãos, juntamente com outros igualmente valorosos, como o Dr. Baltazar Hubmaier (c. 1480 – 1528) e Felix Manz (1498 – 1527), resultou em muitas conversões e fez com que muitos crentes passassem a seguir mais de perto as verdades da Palavra.

Estima-se, por exemplo, que em apenas um ano de ministério, em 1526, na cidade de Nikolsburg, Dr. Hubmaier viu nada menos do que seis mil pessoas obedecerem ao Senhor na questão do batismo! Igrejas foram formadas na Suíça, Holanda, Áustria, Alemanha e mesmo na Inglaterra. Contatos foram feitos com os irmãos Valdenses e houve muitos lugares na Europa onde pequenas igrejas passaram a esforçar-se por seguir o padrão do Novo Testamento. O resultado foi muita morte e perseguição, como era de se esperar, mas houve muita fidelidade ao Senhor. Muitas histórias de martírio poderiam ser contadas. Um exemplo destes foi o de dois jovens de 16 e 17 anos, que, na Boêmia, foram condenados à morte.O juiz teve “misericórdia” e determinou que eles fossem instruídos pela igreja católica até completarem dezoito anos. Depois, se não tive os nos alongar, por isso queremos apenas mencionar que nos séculos XVI a XVIII existiram na França, na Rússia, Inglaterra, Escócia, etc., muitas igrejas que procuraram voltar ao padrão do Novo Testamento, umas com maior sucesso que outras.

XI – A – OS IRMÃOS (assim chamados) – OS PRIMEIROS ANOS

Entre os anos de 1800 e 1830 houve muito interesse entre os crentes da Inglaterra pelos princípios bíblicos. Duas tendências manifestaram-se na Igreja Anglicana: existia um forte movimento pela volta ao catolicismo, o qual, por sua vez, despertou nos crentes verdadeiros daquela denominação um profundo anelo por uma volta à Bíblia e uma fiel obediência ao ensino da Palavra. Este anelo tinha em vista especialmente os ensinos sobre a profecia e sobre a Igreja de Deus. Na cidade de Dublin, Irlanda (naquela época governada pelos ingleses), entre os anos 1825 e 1827, dois grupos de irmãos reuniram-se a fim de estudar a Palavra de Deus e partir o pão na simplicidade das Escrituras. A maioria deles era relativamente jovem e logo foram unidos pelos seus ideais bíblicos. Entre estes encontravam-se Anthony Norris Groves (1795 – 1853), que era dentista na cidade de Exeter, John Gifford Bellet (1795 – 1864), advogado do tribunal, Eduardo Cronin, ex-católico, John Versey Parnell, que posteriormente veio a ser o Lorde Congleton, e outros.

Anthony Norris Groves logo voltou para a Inglaterra, mas pouco depois um novo companheiro foi adicionado ao grupo: um jovem pastor e ex-advogado, chamado John Nelson Darby (1800 – 1882), sem dúvida alguma um dos homens mais brilhantes entre os evangélicos de sua geração. Este veio a ser o autor de muitos panfletos e livros, dos quais destacamos, entre outros, “Escritos Selecionados”, em 34 volumes, “Resumo dos Livros da Bíblia”, em 5 volumes, além da tradução da Bíblia para três idiomas: alemão, inglês e francês.

John Nelson Darby veio a ser um dos homens mais influentes neste movimento (para o bem e para o mal). Devemos notar, porém, que, mesmo na Irlanda, não foi ele o responsável pela volta às Escrituras, que era o alvo do movimento. Ele uniu-se aos irmãos que já estavam se reunindo com este propósito. Naquela mesma época muitas outras igrejas foram formadas na Inglaterra, Irlanda, Escócia, País de Gales, Alemanha, Suíça e na Guiana Inglesa. Muitas destas igrejas foram formadas até sem ter conhecimento de que existiam outras igrejas que se reuniam da mesma forma, coisa que só mais tarde vieram a saber. Uma coisa no ministério de John Nelson Darby pela qual devemos, sem reservas, dar graças a Deus, é a recuperação de certas verdades das Escrituras que estavam esquecidas, tais como as várias dispensações divinas no governo do mundo, bem como a vinda do Senhor antes do Milênio para buscar a Sua Igreja.

Durante alguns anos, foram realizadas conferências sobre profecia. A partir de 1831, uma jovem viúva da classe nobre, de nome Teodosia Howard (1800 – 1836), posteriormente conhecida como Lady Powerscourt, grandemente impressionada pelos estudos proféticos, ofereceu o seu castelo, o Palácio Powerscourt, onde periodicamente realizavam conferências para estudar aquele assunto, sendo Darby um dos participantes. Estas conferências eram franqueadas a todo o povo de Deus e eram assistidas por muitos dos “irmãos”.

Lady Powerscourt, que reunia-se com a igreja em Dublin, foi, por algum tempo noiva de John Nelson Darby, mas o noivado foi desfeito. Não sabemos de qual dos dois partiu o rompimento. Dizem uns que foi ela quem rompeu por achar que o casamento iria perturbar o ministério de John Nelson Darby, outros afirmam que o rompimento foi por iniciativa de Darby, enquanto outros, ainda, dizem que houve uma decisão mútua e até afirmam que as cartas de rompimento que ambos escreveram cruzaram-se no caminho. Nada, porém, pode ser afirmado por certo, mas a verdade é que ambos sentiram muito a separação. Darby escreveu mais tarde: “Recusei um casamento e parti um coração ao fazê-lo”. Convém que se diga, também, que os irmãos de Dublin, especialmente um certo Hargreaves, tiveram a sua parcela de culpa no acontecimento pela sua interferência indevida em assuntos alheios, pois envidaram todos os esforços no sentido de persuadir Darby a não se casar. É triste constatar que tais irmãos “palpiteiros” existem ainda no dia de hoje. Depois, não se julgam responsáveis pelas consequências! Um dia, porém terão de responder perante o Tribunal de Cristo. É minha opinião que, se tal não acontecesse, Lady Powerscourt teria vivido mais tempo e teria ajudado muito a Darby no seu ministério. Neste caso é bem possível que a história dos irmãos teria sido bem diferente.

Devem ser salientados o amor e a simplicidade daqueles primeiros anos em Dublin. Eduardo Cronin escreveu: “Oh, que tempos benditos para a minha alma foram aqueles que John Parnell, William Stokes, eu e outros conhecemos, quando, nas tardes de sábado, arrumávamos os móveis e colocávamos a simples mesa com o pão e o vinho! Foram dias de alegria para nunca jamais serem esquecidos, pois certamente contávamos com o sorriso do Mestre e a Sua aprovação ao início dum movimento como aquele! Já em 1830 existiam na Irlanda 5 ou 6 igrejas semelhantes, como resultado daquele impulso, mas, como já mencionamos, também em outros lugares o Espírito estava se manifestando espontaneamente.

Em Bristol, Inglaterra, George Müller (1806 – 1898) e Henrique Craik (1805 – 1866), que eram pastores batistas, chegaram a entender as verdades bíblicas sobre a igreja local e começaram a reunir-se assim a partir de 1832.

Em 1836 George Müller abriu o seu primeiro orfanato confiando somente no Senhor para a sua provisão diária, sem dirigir apelos aos homens. Deus honrou a sua fé e quando ele faleceu, aos 93 anos de idade, muitas centenas de crianças tinham sido amparadas.

Devemos salientar que quando Müller morreu, além da igreja grande que se reunia na Capela Betsaida (a original), havia mais sete igrejas semelhantes em Bristol.

Havia também um trabalho próspero em Barnstable, liderado por Roberto Cleaver Chapman (1803 – 1902), ex-advogado e pastor batista, um irmão grandemente amado, que chegou às mesmas conclusões bíblicas.

Em Plymouth havia uma igreja grande e próspera (com mais de 700 membros em comunhão) que tinha ensinadores capacitados, tais como Benjamim Wills Newton, Samuel Prideaux Tregelles, este um erudito nas línguas originais da Bíblia, Henrique W. Soltau, que foi autor de dois livros úteis a respeito do tabernáculo no deserto, William Dyer e J. L. Barris. Por ser tão grande esta igreja ganhou do mundo mais um apelido: “Irmãos de Plymouth”, um título absurdo que alguns ainda insistem em usar.

A igreja em Plymouth era descrita como “um pantanal de amor” – muito melhor do que o pantanal de desânimo em que muitas igrejas se tornam! Temos de mencionar o ardor missionário daqueles irmãos.

Foi nos seus dias que as missões para o exterior tiveram o seu início. Em 1829 Anthony Norris Groves e um grupo de irmãos foram para Bagdad (hoje o país do Iraque), confiando somente no Senhor para o seu sustento. Mais tarde Groves foi para a Índia. Na Guiana Inglesa (hoje República da Guiana), um outro jovem pastor anglicano, Leonardo Strong, sem saber dos outros, deixou a Igreja Anglicana em 1827 e renunciou um salário fixo a fim de pregar a Palavra na simplicidade das Escrituras e na dependência exclusiva do Senhor. Deus abençoou o Seu servo e muitas almas foram salvas, especialmente entre os escravos, com quem Strong trabalhava. Mesmo depois da abolição da escravidão, muitos ex-escravos foram salvos pela instrumentalidade de Strong. Em 1842 Jorge Müller ouviu falar a respeito dele e começou a enviar-lhe ajuda financeira. Não sabemos como foi ele sustentado durante os 15 anos anteriores. Sabemos, porém, que Deus é fiel! O trabalho do Senhor que deste modo foi formado na Guiana continua até hoje.

John Nelson Darby fez viagens para a Suíça e para outros lugares, onde viu a bênção na pregação da Palavra e a formação de igrejas. Como os próprios líderes religiosos de então admitiram, este movimento do Espírito de Deus teve o poder de sacudir o mundo cristão de sua letargia. Por isso Satanás não ficou satisfeito. Dentro de 20 anos aconteceu uma divisão que nunca chegou a ser resolvida e que, de certa forma, nos afeta até hoje. Quanto lamentamos este facto tão triste!

XI – B – CONTENDA E DIVISÃO

O assunto que motivou a grande contenda que tão tristemente dividiu os irmãos é bem complicado, mas devemos examiná-lo pelo menos em resumo. Em parte, tem muito a ver com o carácter complexo de John Nelson Darby. Silas Gonçalves Filgueiras bem escreve: “Darby tinha uma personalidade imensa e complicada, era um gênio, e como sói acontecer com estes, era psicologicamente anormal. Devido à sua intensa devoção a Cristo zelava para que a igreja fosse uma igreja pura, porém pelo seu temperamento, seu modo de entender as coisas, fez com que suas atitudes causassem a desonra ao nome de Cristo que ele tanto amava. Tinha uma alta capacidade para perceber as verdades bíblicas, seus comentários são muito profundos. Agia como tendo uma chamada direta de Deus, como alguém que está convencido de estar no caminho certo, e considerava inimigos de Deus todos os que discordavam dele” (“Os Irmãos” págs. 48-49).

Outro escritor recente, um admirador de Darby, escreve: “Darby tinha um carácter e personalidade muito fortes. Os seguidores de Darby falaram quase que exclusivamente das suas qualidades positivas e seus inimigos, quase que exclusivamente das suas qualidades negativas. Quem tinha razão? Depois de ter, durante anos, estudado Darby e a sua vida, eu devo responder: ambos tinham razão” (Max N. Weremchuk – “John Nelson Darby” pág. 142).

Por outro lado, com referência a Jorge Müller, um dos outros protagonistas naquela tragédia, temos de admitir, por mais que admiremos a sua fé e a sua devoção a Cristo, que ele também evidenciava claramente em sua personalidade algo de autoritário e intolerante, que mais tarde jogaria por água abaixo a última possibilidade de reconciliação.

Darby, no início da década de 1840, embora residindo já em Plymouth, viajava constantemente atendendo seu ministério na obra do Senhor. Por isso, como era de se esperar, perdeu a sua influência dentro da igreja. Benjamim Wills Newton, que era um homem de forte tendência autocrática, assumiu o controle da igreja juntamente com J. L. Harris. Estes dois irmãos estavam fazendo com que a igreja deixasse certos princípios bíblicos. Em 1845 Darby voltou e tentou modificar as coisas dentro da igreja. Não foi bem sucedido e retirou-se em 28 de dezembro daquele ano e formou outra igreja, contando inicialmente com 60 membros em comunhão e que logo começou a evidenciar um contínuo crescimento.

Logo depois foi convocada uma reunião numa outra cidade com a finalidade de ouvir as explicações de Darby sobre a lamentável separação. Naquela reunião o piedoso Roberto Chapman disse a Darby: “O irmão devia ter esperado mais tempo antes de agir como agiu”. Darby respondeu: “Esperei seis meses antes de me separar”. Ao que Chapman replicou: “Em Barnstable teríamos esperado seis anos”.

A estes eventos sucederam-se mais complicações. B. W. Newton permitiu que J. L. Harris publicasse anotações a respeito da humanidade do Senhor Jesus Cristo que, sem dúvida, eram heréticas. Não precisamos ocupar-nos com maiores explicações sobre isto porque todos os irmãos condenaram aquela doutrina e o próprio B. W. Newton logo percebeu o seu erro e fez, por escrito, uma plena retratação, que foi publicada naquele mesmo ano (1847). Num sentido, porém, aquela ação foi como que uma vara entregue a Darby, a qual podia ele usar contra a igreja original a fim de demonstrar que ela estava errada. Muitos que não tinham apoiado Darby acabaram indo para a igreja dele. Se tudo ficasse nisso, seria apenas mais um capítulo na triste história das divisões em igrejas locais. Mas o “pai da mentira” estava apenas começando o serviço dele!

Dois irmãos da igreja original em Plymouth mudaram-se para Bristol em l848. Depois de constatado que eles não aceitavam a doutrina de Newton foram aceitos pela igreja. Darby achava que existindo erro numa igreja todos os seus membros estavam contaminados. Consequentemente, concluindo que a igreja em Bristol, pelo facto de aceitar aqueles irmãos estava dando apoio à heresia, rompeu com ela.

Um grupo de partidários de Darby, liderado por um irmão chamado Jorge Alexander, separou-se e formou outro ajuntamento. Por causa disso a igreja em Bristol pronunciou-se formalmente contra a doutrina de Newton, declarando-a herética. Àquela altura o próprio Newton já não estava mais em Plymouth. Mudara-se em 1847 e até a sua morte, em 1899, nunca mais reuniu-se com os chamados “Irmãos”.

O problema básico era que a igreja em Bristol e outras semelhantes aceitavam um princípio bíblico que Darby, ao que parece, já não aceitava – a autonomia administrativa de cada igreja local. A ideia desenvolvida por Darby era a de que existe uma igreja visível (correspondendo ao corpo de Cristo aqui na terra) à qual pertencem todas as igrejas. Todas as igrejas têm de andar juntas senão a igreja está fora do corpo, isto é, não é mais igreja. É preciso que se note que este não é um princípio bíblico. A Palavra de Deus fala-nos apenas de uma igreja invisível, o Corpo de Cristo, composta de todos quantos pertencem ao Senhor Jesus e de igrejas locais controladas diretamente pelo Senhor Jesus, o Qual está no meio de todas as igrejas que se reúnem em Nome d’Ele sem ligação denominacional. É uma arrogância por parte de um homem, ou grupo de homens, reivindicar autoridade divina e pôr uma igreja fora de comunhão. Esta é uma ação à qual só tem direito Aquele que é o Dono das igrejas. É lógico que cada servo do Senhor tem todo o direito de decidir perante Deus e no temor de Deus qual é o lugar onde ele entende que pode servi-Lo com maior proveito espiritual. Sem dúvida muitos podem ter dificuldades neste sentido em alguns ajuntamentos, mas isto não lhes dá o direito de criticar a outros que não pensem exatamente como eles.

Todos nós teremos de responder perante o Tribunal de Cristo. O princípio que Darby ensinou, na prática, é desastroso. Seguindo-se aquele princípio, sempre que uma igreja tenha de tratar de um problema, todas as demais acabam tendo de pronunciar-se a respeito do mesmo, o que, na prática, deixa tudo nas mãos de alguns irmãos para ser tratado numa reunião central de “cuidado”. Com isto, embora nem sempre aconteça, torna-se muito possível a formação de uma ditadura espiritual. Darby forçou a todos a assumirem uma posição com referência à igreja em Bristol, disso resultando uma divisão que abrange o mundo inteiro e que nunca foi resolvida. Os seguidores dos princípios de Darby são conhecidos como “Irmãos Exclusivistas”, enquanto os seguidores do princípio da autonomia administrativa de cada igreja são conhecidos como “Irmãos Abertos”. São apelidos pouco convenientes. Os “exclusivistas” mais moderados não acusam mais os irmãos “abertos” da heresia de Newton (uma acusação inteiramente infundada). Acusam-nos de “independência”, ou até de neutralidade para com Cristo. E a base dessa acusação é porque os “irmãos abertos” recusam-se a concordar que o grupo deles (“exclusivistas”) seja exclusivamente o Corpo de Cristo. Isto só demonstra como a mente de bons irmãos pode, às vezes, ser deturpada.

No início, devido à influência da personalidade forte de Darby, a maioria das igrejas ficou com ele. Naquelas igrejas encontravam-se muitos dos melhores ensinadores bíblicos, tais como John Gifford Bellett, já mencionado, Charles Henry Mackintosh (1820 – 1896) e William Kelly (1820 – 1906). Mas o princípio errado de comunhão só poderia resultar em confusão, como, de facto, resultou.

Entre os “Irmãos Exclusivistas” têm ocorrido repetidas divisões, nas quais cada grupo qualifica-se como o único que está na esfera do Corpo. Embora tenha havido alguma reconciliação entre os grupos mais moderados, as divergências persistem até hoje.

Alguns dos missionários mais antigos, tais como Stuart Edmund McNair (1867-1959), George Howes (1873 – 1945), William Anglin (1882 – 1965) e Alberto Henrique Storrie (1888 – 1977) vieram de um grupo mais moderado de “exclusivistas”. Embora tenham deixado algumas das ideias de Darby, não ensinaram os princípios errados concernentes à comunhão.

Alguns missionários batistas, especialmente W. C. Taylor, uma das línguas mais ferinas entre os escritores modernos, com propósito crítico, apelidavam de “darbistas” os crentes que se reuniam nas igrejas não filiadas a denominações, mas tal apelido não procede, pois em tais grupos não predominavam nem a prática, nem o espírito do darbismo.

Antes de voltar para assuntos mais agradáveis, há mais uma coisa que seria proveitoso mencionar com respeito à divisão de 1848: em julho de 1849 John Nelson Darby visitou George Müller, em Bristol. O relato daquela reunião é contestado, mas ao que parece, o que Darby declarou foi isto: “Uma vez que os irmãos já julgaram os folhetos de Newton, não há mais razão para ficarmos separados”. A resposta de Müller foi: Tenho um compromisso à uma hora e só tenho dez minutos livres, portanto, não dá tempo para entrarmos neste assunto agora, pois o senhor tem agido tão perversamente em todo este caso, que há muitas coisas que têm de ser consideradas antes que possamos ser unidos novamente”. Darby, ao que parece, foi-se embora extremamente ofendido e os dois nunca mais se encontraram neste mundo. Darby manteve a divisão até o fim. Nenhum dos dois merece louvor naquele triste incidente: No caso de John Nelson Darby, se era verdade que não existia mais razão para a separação, porque levou-a até o fim? No caso de George Müller, por causa de uma resposta intempestiva e destemperada, ele jogou fora a oportunidade única que se lhes deparava para resolver para sempre aquele problema. Que compromisso poderia ser mais importante do que este? Considerando a personalidade de John Nelson Darby, reconhecemos a grande dificuldade que teria sido enfrentado para humilhar-se, ainda que um pouco, mas o que parece é que Müller quis aproveitar-se da situação para espezinhar um pouco mais o seu irmão, disso resultando a triste e irremediável situação que até hoje persiste.

Que aprendamos a lição! Não podemos conceder perdão àqueles que imaginam que pouco ou nada fizeram de errado e cujo pensamento é que o problema pode ter solução colocando-se uma pedra em cima (coisa que só faz mal à própria pessoa!), mas quando existe uma disposição para voltar atrás, vamos ter a humildade e a graça de ceder, reconhecendo até que ponto nós também tenhamos errado na questão. Não nos esqueçamos de que a nossa excessiva dureza bem pode resultar em danos irrecuperáveis para a obra de Cristo.

Embora não sejamos seguidores nem de John Nelson Darby, nem de George Müller, temos de reconhecer que ambos eram grandes servos do Senhor. Se eles, apesar de toda a sua estatura espiritual puderam chegar até onde chegaram, quanto mais nós! “Tornai-vos, porém, bondosos uns para com os outros, compassivos, perdoando-vos uns aos outros, como também Deus, em Cristo, vos perdoou” (Ef 4.32 V.B.)

XI – C – O DESENVOLVIMENTO DAS IGREJAS “ABERTAS”

No início as igrejas chamadas “abertas” eram bem fracas, mas sempre demonstraram um profundo desejo de evangelizar os perdidos. E Deus abençoou os seus esforços. Disse Harry Allan Ironside (1876 – 1951): “Mesmo John Nelson Darby admitiu que ‘Deus, na Sua soberania, tem-lhes concedido muito fruto no Evangelho’. As suas igrejas multiplicaram-se, e através dos trabalhos de evangelistas zelosos, grandes números foram salvos. Depósitos de literatura produziram folhetos evangélicos aos milhões e pregadores itinerantes do Evangelho foram por toda parte proclamando as boas novas duma salvação presente por meio da fé somente em Cristo. Centenas mais, deixando tudo por amor daquele que os salvou, foram para as regiões além do mar a fim de promover missões entre os pagãos. Na China, Índia, Malásia, África, entre o povo indígena (aborígenes) de Nova Zelândia e nas ilhas dos mares levantaram o estandarte da cruz sem serem sustentados por salários ou missões organizadas nos seus países de origem. Sua confiança estava no Deus vivo, que, através do Seu próprio povo, ministrou às suas necessidades, visto que foi ‘por causa do Nome que saíram, nada aceitando dos gentios’” (A Historical Sketch of the Brethren Movement, pág. 70).

Em 1859 Deus concedeu um poderoso reavivamento a quase todo o Seu povo na Irlanda, Escócia, no País de Gales e partes da Inglaterra, nos Estados Unidos e outros países de língua inglesa. Todos os grupos evangélicos foram beneficiados, mas, como resultado, muitos crentes novos, zelosos por seguir o que a Palavra diz acerca de tudo, não ficaram satisfeitos nas suas denominações tradicionais. Saíram e formaram igrejas de acordo com o que estava lendo no Novo Testamento, muitas vezes sem saber nada sobre o que ocorrera em Dublin, Plymouth e Bristol. Tinham todo prazer em ter comunhão com as igrejas dos mesmos princípios, mas com toda razão não queriam entrar em círculos eclesiásticos. Com o passar do tempo associaram-se mais com aqueles que eram chamados “Irmãos Abertos”. Em outras cidades, às vezes, uma missão interdenominacional independente tornava-se o centro principal de reunião de novos convertidos.

Como resultado ficavam insatisfeitas em serem apenas um ponto de pregação e começavam a praticar o batismo e celebrar a Ceia do Senhor, tomando, com o passar do tempo, a mesma posição assumida por outras igrejas semelhantes. Como bem disse Harry Allan Ironside, o movimento missionário floresceu, alcançando não somente os países acima mencionados, mas muitos outros também, com resultados notáveis em quase todas as repúblicas da América do Sul, além de Espanha, Portugal, Itália e mesmo nas remotas Ilhas Faroes (ao norte da Escócia, uma colônia da Dinamarca), onde um pioneiro escocês trabalhou por 13 anos até aparecerem os resultados. Hoje, naquela localidade, para uma população de cerca de 45.000 pessoas há mais de 25 igrejas, duas delas (Thorsha e Klaksvic) contando cada uma com mais de 500 membros em comunhão. Atualmente na Grã Bretanha muitas destas igrejas estão em acentuado declínio, por um lado, devido aos extremos de mundanismo e conformidade ao padrão evangélico geral e, por outro, devido a um legalismo frio e sem alma. Damos graças a Deus por alguns lugares que não são assim.

Existem problemas. Entre elas há ensinos errados, como os há em todo lugar, mas temos de reconhecer o esforço que algumas delas empregam para obedecer à Palavra de Deus, de acordo com a luz que dela têm. (…)

CONCLUSÃO

Então, é este o fim da história? De forma alguma! Relatos históricos tais como este têm sido elaborados, às vezes, com o propósito de demonstrar que todos os factos têm-se desenvolvido para provar que a “nossa” obra é o verdadeiro cúmulo de tudo quanto Deus quer fazer aqui na terra.

Tenho lido tais conceitos emitidos por batistas, pelo Movimento Pentecostal, pela seita chamada “Igreja Local” e também, tristemente, pelos vários grupos dos chamados “Irmãos”. Que o Senhor nos guarde de tamanha arrogância!

Enquanto Cristo não voltar para buscar a Sua igreja, Ele é soberano e pode usar quem Ele quiser na obra d’Ele. A nossa responsabilidade em nossa geração é, simplesmente, reunir em Nome de Cristo e na simplicidade das Escrituras e procurar implantar os princípios bíblicos em nossos ajuntamentos. As Escrituras são o tribunal final de autoridade, não a história de bons irmãos, por mais útil que seja. O Senhor Jesus é o único que merece a nossa lealdade incondicional. Que sejamos fiéis a Ele e à Sua Palavra!

Jaime Jardine – In “Vigiai e Orai”, 76 a 82.