A Igreja Local Definida

Ao longo dos anos, tem havido considerável discordância quanto ao que constitui uma igreja do Novo Testamento. A abordagem usual é listar um certo número de requisitos ou marcas; se um grupo de cristãos atende a essas qualificações, então ele é considerado uma verdadeira igreja local.

Henry Barrow deu o que pode ser considerado uma definição bastante típica de uma igreja. Ele a definiu da seguinte forma: “Uma igreja de Cristo verdadeiramente plantada e corretamente estabelecida é um grupo de pessoas fiéis, separadas dos incrédulos, reunidas no Nome de Cristo, a quem elas verdadeiramente adoram e obedecem prontamente. São uma irmandade, uma comunhão de santos, cada um deles defendendo sua liberdade cristã de praticar tudo o que Deus ordenou e revelou a eles em Sua Santa Palavra.”

Primeira Coríntios 1:2 dá uma descrição simples, mas precisa, de uma igreja local. “Aos que são santificados em Cristo Jesus, e chamados para serem santos, com todos os que em todo lugar invocam o nome de nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso.”

Outras definições têm sido muito mais restritas, o que faz com que apenas as igrejas de uma determinada denominação ou grupo se qualifiquem de fato.

A ABORDAGEM DO NOVO TESTAMENTO

Isso levanta uma questão muito real. O Novo Testamento relaciona um determinado número de requisitos ou elementos essenciais de uma igreja local? As marcas de uma assembleia são declaradas tão claramente que qualquer crente poderia separar as comunidades em qualquer área entre aquelas que são verdadeiras igrejas do Novo Testamento e aquelas que não são?

Sugerimos que esse não é o caso. Se tornar-se uma igreja verdadeira fosse meramente uma questão de se conformar a um determinado padrão ou seguir uma rotina específica de reuniões, então isso poderia ser feito de forma bastante mecânica, sem exercício espiritual. O resultado seria a letargia e a complacência. Embora a posição de uma igreja possa ser sempre correta, a condição dos crentes pode ser muito diferente.

Em vez disso, acreditamos que a abordagem do Novo Testamento é a seguinte. Todos os crentes são instruídos de que, pela graça de Deus, eles são membros da Igreja. Eles são exortados a se reunirem de forma a expressar as grandes verdades da Igreja. Algumas assembléias de cristãos dão uma representação muito ruim do corpo de Cristo. Outros grupos apresentam uma semelhança mais fiel. Nenhum deles o faz perfeitamente.

Assim, em vez de seguir o método legalista que diz: “Se você atender a certos requisitos, você se tornará uma igreja”, a linguagem das Escrituras é a linguagem da graça, a saber: “Vocês, como crentes, são a Igreja; agora se reúnam de forma a expressar com precisão esse fato ao mundo”. A força motriz da graça é o amor pelo Salvador, e esse amor deve nos fazer querer apresentar uma imagem fiel do corpo de Cristo às pessoas ao nosso redor.

UM BREVE RESUMO – A IGREJA LOCAL

Em resumo, a igreja local deve ser uma miniatura da Igreja universal. Ela não deve ser nada e não deve fazer nada que possa contradizer as grandes verdades da Igreja, que é o corpo de Cristo.

Como disse Ridout: “Sua natureza e unidade devem ser manifestadas. Deve-se ver que ela é o corpo de Cristo, formado pelo Espírito Santo e habitado por ele, que todos os crentes são membros dela, unidos a Cristo glorificado e uns aos outros; que a vinda do Senhor é a esperança diante dela; e que o Nome de Cristo é o único pelo qual ela é chamada. Além disso, ela deve exibir a unidade do corpo de Cristo”.

Se, então, a igreja local deve ser uma réplica da Igreja completa, quais são as grandes verdades do corpo de Cristo das quais ela deve fornecer um testemunho vivo? Já nos referimos a sete dessas verdades fundamentais, a saber

A. Há um só corpo.

B. Cristo é a cabeça do corpo.

C. Todos os crentes são membros do corpo.

D. O Espírito Santo é o representante de Cristo na Igreja.

E. A Igreja de Deus é santa.

E. Os dons são dados para a edificação da Igreja.

G. Todos os crentes são sacerdotes de Deus.

Nosso objetivo atual, portanto, é analisar essas verdades uma a uma e procurar determinar como a igreja local pode retratá-las para o mundo.

A VERDADE DO CORPO ÚNICO

A primeira verdade da qual a igreja local é responsável por testemunhar é que há um só corpo. Como os crentes podem testemunhar esse fato hoje?

  1. QUE NOME DEVE SER ADOTADO

Talvez a maneira mais óbvia seja não adotar nomes que os separem dos outros cristãos. Na igreja de Corinto, alguns diziam: “Eu sou de Paulo”, “Eu sou de Apolo” ou “Eu sou de Cristo”. Paulo condena indignado esse espírito, perguntando: “Porventura está Cristo dividido?” (1 Coríntios 1:10-17).

Atualmente, os cristãos se dividem em denominações que levam o nome de países, líderes religiosos, ordenanças ou formas de governo da igreja. Tudo isso é uma negação prática da unidade do corpo de Cristo.

Claramente, a abordagem bíblica é que os filhos de Deus sejam conhecidos apenas pelos nomes dados na Bíblia – nomes como “crentes” (Atos 5:14); “discípulos” (Atos 9:1); “cristãos” (Atos 11:26); “santos” (Efésios 1:1); e “irmãos” (Tiago 2:1). Talvez seja uma das tarefas mais difíceis na vida cristã não carregar nenhum nome além do de um simples crente. A grande maioria hoje em dia acha que deve pertencer a alguma igreja organizada e levar algum outro nome que não seja o dado na Palavra. Qualquer pessoa que se recuse a ser conhecida como outra coisa que não seja um filho de Deus sofrerá reprovação até mesmo nas mãos de outros cristãos e sempre será um problema na comunidade. No entanto, como os crentes podem fazer o contrário de forma consistente?

Mas, obviamente, não basta apenas ter um nome exato de acordo com as escrituras. É muito possível aderir estritamente à linguagem da Bíblia e, ainda assim, ter um espírito extremamente sectário. Alguns em Corinto estavam dizendo: “Eu sou de Cristo”, por exemplo. Talvez eles se orgulhassem da exatidão de seu nome, mas na verdade queriam dizer que eram de Cristo, excluindo outros crentes verdadeiros. Paulo encontrou falhas neles tanto quanto naqueles que alegavam lealdade a ele mesmo ou a Apolo.

  1. O QUE DIZER DAS DENOMINAÇÕES?

Quando qualquer dúvida é levantada quanto à natureza bíblica das denominações, a objeção comumente levantada é que o Senhor tem abençoado ricamente algumas das grandes divisões e seitas da Igreja. Se isso for verdade, ainda assim devemos nos lembrar de que a bênção do Senhor não indica aprovação divina em todos os detalhes. Ele honra Sua própria Palavra, embora muitas vezes sua entrega seja acompanhada de muitas falhas e imperfeições. Se Deus abençoasse somente onde houvesse perfeição, não haveria bênção. Portanto, o fato de um grupo ter visto Sua mão não significa que Ele aprova tudo o que o grupo faz. A mensagem é sempre maior do que o mensageiro.

A atitude do Senhor em relação às divisões na Igreja é claramente demonstrada em 1 Coríntios 3:4: “Porque, dizendo um: Sou de Paulo; e outro: Sou de Apolo; porventura não sois carnais?

As divisões na Igreja trazem grandes males. Elas criam barreiras artificiais à comunhão. Elas limitam o movimento de homens talentosos de Deus, cujo ministério deveria estar disponível para toda a Igreja. Elas confundem o mundo, fazendo com que os homens se perguntem: “Qual igreja é a certa?”

Em sua renomada obra, The Lord’s Prayer for Believers (A Oração do Senhor para os Crentes), Marcus Rainsford escreveu: “De minha parte, acredito que as seitas e denominações são o resultado da tentativa do diabo de arruinar e impedir, tanto quanto possível, a união visível da Igreja de Deus; e que todas elas têm sua raiz em nosso orgulho espiritual e egoísmo, nossa autossuficiência e nosso pecado”.

“Que Deus nos perdoe e corrija nossas divisões! Nada dá mais ensejo ao mundo exterior do que as diferenças entre cristãos professos. As brigas e contendas entre homens e mulheres de diferentes seitas e denominações da Igreja de Deus visível sempre foram um dos maiores obstáculos do mundo. Em vez de olhar e ser constrangido a confessar: “Vejam como esses cristãos se amam”, o mundo muitas vezes tem motivos para dizer: “Vejam como eles se criticam uns aos outros, como julgam uns aos outros, como difamam uns aos outros”.

Infelizmente, esse estado deplorável existe com muita frequência em algumas igrejas locais e, com isso, o nome de nosso Senhor Jesus Cristo é desonrado.

  1. VERDADEIRA UNIDADE

Os crentes que decidirem testemunhar a unidade do corpo de Cristo encontrarão grande dificuldade em se separar de todas as divisões da Igreja e, ao mesmo tempo, manter um espírito de amor para com todo o povo de Deus.

C. H. Mackintosh, amado autor de Notes on the Pentateuch (Notas sobre o Pentateuco), escreveu: “A grande dificuldade é combinar um espírito de intensa separação com um espírito de graça, gentileza e tolerância; ou, como outro disse, ‘manter um círculo estreito com um coração amplo’. Isso é realmente uma dificuldade. Como a manutenção rígida e intransigente da verdade tende a estreitar o círculo ao nosso redor, todos nós precisaremos do poder expansivo da graça para manter o coração amplo e as afeições aquecidas. Se lutarmos pela verdade de outra forma que não seja pela graça, daremos apenas um testemunho unilateral e muito pouco atraente. E, por outro lado, se tentarmos exibir a graça às custas da verdade, isso provará, no final, ser apenas a manifestação de uma liberdade popular às custas de Deus, a coisa mais inútil”.

W. H. Griffith Thomas expressou o mesmo pensamento em seu livro, Ministerial Life and Work: “Que os princípios sejam firmemente fixados na rocha inconfundível da verdade divina, mas que as simpatias se estendam o mais amplamente possível a todos os que estão se esforçando para viver e trabalhar para Cristo. Jamais esquecerei as palavras do santo e nobre Bispo Whipple, de Minnesota, o Apóstolo dos Índios, conforme as ouvi em Londres em uma ocasião memorável: ‘Por trinta anos tentei ver a face de Cristo naqueles que eram diferentes de mim’.

A demonstração visível da unidade do corpo de Cristo não deve ser realizada pelos vários movimentos ecumênicos dos quais tanto se ouve falar hoje em dia. Tais uniões, conselhos ou federações são bem-sucedidos apenas por comprometerem as grandes verdades das Escrituras. As congregações cristãs negam seu Senhor quando se unem àqueles que repudiam o nascimento virginal de Cristo, Sua humanidade sem pecado, Sua morte substitutiva, Sua ressurreição corporal, Sua ascensão e exaltação e Sua vinda novamente.

A verdadeira base da unidade cristã é uma devoção comum a Cristo e à Sua Palavra. Quando Sua glória for o grande desejo de nosso coração, seremos unidos, e então Sua oração será respondida: “Para que todos sejam um, como nós somos um” (João 17:22). (João 17:22). Como Griffith Thomas disse: “Já se observou muitas vezes que, quando a maré está baixa, há pequenas poças de água aqui e ali na praia, separadas umas das outras por grandes extensões de areia, e é somente quando a grande maré sobe e as submerge em seu vasto abraço que elas se tornam uma só e se unem. Assim deve ser, assim será com nossas divisões de coração, ‘nossas infelizes divisões’; a grande maré do amor de Deus fluirá mais e mais profundamente em cada uma de nossas vidas e, no oceano desse amor, realizaremos o ideal divino de amor, alegria e paz para sempre”.

Enquanto isso, a responsabilidade das igrejas locais é procurar manter um testemunho da unidade do corpo de Cristo em uma época em que a maior parte da cristandade serve apenas para negar o fato. Elas podem fazer isso reconhecendo em espírito, princípio e prática todos os seus companheiros de fé.

William MacDonald (1917-2017) dedicou-se ao ensino bíblico nos últimos 60 anos de sua vida. Sua ênfase era de ressaltar com clareza e objetividade os ensinamentos bíblicos para a vida cristã, tanto nas suas pregações como através dos mais de 80 livros que escreveu.

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