A Grande Contradição

O cristão de hoje se vê confrontado por uma variedade de forças que ameaçam derrotar seu testemunho de Deus. A indiferença fria é generalizada. Todos nós a encontramos. Negações sutis da verdade abundam por todos os lados. Especialmente a divindade de Cristo e Sua expiação pelo sangue são objetos de ataque. O materialismo é desenfreado, convidando os homens a encontrar seu bem-estar e satisfação em meras coisas e lançando dúvidas sobre o valor de tudo o que é espiritual. O comunismo ateu em toda parte ergue sua cabeça feia, ameaçando nação após nação e fazendo o possível para minar todas as instituições cristãs. Por meio dessas e de outras agências, o mundo, a carne e o diabo têm o objetivo de provocar a queda do cristão. Juntos, eles representam um tremendo desafio.

Porém, nenhuma das coisas a que nos referimos, nem todas elas juntas, são uma ameaça tão séria à influência do cristão entre os homens quanto algo que ainda não mencionamos. Estamos nos referindo às inconsistências vistas com muita frequência na própria vida do cristão. Com muita frequência, há uma disparidade acentuada entre a doutrina e a vida, entre a profissão e a prática.

Essa “Grande Contradição”, como alguém a chamou — essa inconsistência gritante — tem resultados trágicos. As almas famintas ficam desapontadas. Elas dizem (como alguns fizeram na época de Tiago) “Mostre-me!”, mas procuram em vão por uma demonstração prática de nossa fé e logo perdem o interesse. Os espectadores muitas vezes têm a impressão de que o cristianismo é uma coisa visionária, sem relação com as realidades da vida. O Evangelho, concluem, não é digno de consideração séria, pois não parece funcionar na vida de seus defensores. E, também, verdades que gostaríamos que despertassem interesse entre os cristãos em geral, são negligenciadas. O motivo? Como os escribas e fariseus de antigamente, muitas vezes “dizemos e não fazemos” (Mateus 23:3). Apresentamos a doutrina sem o exemplo.

Essa contradição às vezes é vista até mesmo na atitude demonstrada em relação ao próprio Senhor. Seus direitos são soberanos na vida de Seu povo. Ele é o SENHOR, e o propósito de todo filho de Deus deve ser o que está implícito na pergunta de Paulo no início de sua carreira cristã: “Senhor, que queres que eu faça?” Mas será que muitos de nós não tendemos a ser como o filho que, quando lhe disseram para ir trabalhar na vinha, respondeu: “Eu vou, Senhor, e não fui?” Será que professamos lealdade a Cristo e, na prática, deixamos de cumprir certas facetas de Sua vontade? Será que Ele teria de nos dizer hoje o que disse a alguns há muito tempo? “Por que me chamais Senhor, Senhor, e não fazeis o que eu digo?” (Lucas 6:46).

A mesma contradição pode ser observada com muita frequência nas relações dos cristãos entre si. O Senhor espera que Seu povo “se ame uns aos outros” (João 15:12). Eles são, de fato, “ensinados por Deus” a fazer isso (1Ts 4:9) — o amor é um instinto implantado em toda alma nascida de novo, e devemos “não amar de palavra… mas por obra e em verdade” (1Jo 3:18). Nosso amor deve ser real (“em verdade”) e não um mero fingimento (“sem dissimulação” — Rom. 12:9). Deve ser um amor “não fingido”, proveniente de um “coração puro” (1 Pedro 1:22). E deve ser um amor ativo (“em atos”). Ele pode se expressar em palavras encorajadoras, mas não se limitará a elas quando a ocasião exigir ação. Dizer, por mais piedoso que seja, “aquece-te e farta-te” não atende às necessidades dos destituídos (Tiago 2:16). Em nossas relações com os outros cristãos, se não formos “afetuosos… preferindo-vos uns aos outros em honra” (Romanos 12:10), nossas profissões de amor merecerão ser vistas como mera cantilena hipócrita. À luz das Escrituras e da experiência, é preciso admitir que, na área a que nos referimos, ainda há muito a desejar. Que o Senhor possa mexer com nossos corações e, por Sua graça, nos capacite a pôr um fim a essa fase da “grande contradição”!

Muito mais poderia ser dito, mas nos limitamos a algumas observações sobre o teor de muito do que se passa por vida cristã atualmente. Como nosso “texto”, citamos, em parte, Apocalipse 3:17: “…DIZES: Estou rico e enriquecido, e de nada tenho falta; e não sabes que és um desgraçado, e miserável, e pobre, e cego, e nu… Observe a inconsistência sugerida pelas palavras ‘dizes… és…’. A contradição é total e clara para todos verem. A descrição parece exagerada e dura? A condição descrita certamente existe hoje — na verdade, é generalizada, e nenhuma pessoa imparcial, cujos olhos estejam abertos para o que acontece, pode deixar de ver isso.

O Senhor Jesus, em Seus ensinamentos e em Sua vida entre os homens, deixou bem claro que há uma estreita conexão entre dizer e fazer — com uma ênfase definitiva no fazer (ver, por exemplo, Atos 1:1). Vamos nos certificar de que não sejamos encontrados fazendo grandes afirmações enquanto exibimos pouca prática. Tal contradição, diz-nos o Senhor, é simplesmente nauseante para Ele. E para as pessoas ao nosso redor que a testemunham, ela é um mau cheiro e um obstáculo.

F. W. Schwartz — “Escritos dos Irmãos de Plymouth”

Leitura e Impressão