“Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a Glória de Deus Pai” (Fp 2:9–11).
Quase lamento ter me arriscado a ocupar esse púlpito nesta manhã, porque me sinto extremamente incapaz de pregar para benefício de vocês. Eu tinha pensado que a quietude e o repouso das duas últimas semanas tivessem afastado os efeitos daquela terrível catástrofe; mas ao voltar ao mesmo lugar e, mais especificamente, de pé aqui para lhes dirigir a palavra, sinto algo daquelas mesmas emoções dolorosas que por pouco não me abateram antes. Portanto, desculpem-me nesta manhã se fizer alusão nenhuma, ou quase nenhuma, àquele grave evento. Eu não poderia pregar a vocês sobre um assunto que estivesse minimamente associado a ele. Seria obrigado a ficar em silêncio se trouxesse à minha lembrança aquela cena terrível no meio da qual era minha solene sorte permanecer de pé. Deus prevalecerá sobre isso, sem dúvida. Pode não ter sido tanto pela malícia dos homens, como alguns afirmaram; talvez fosse mera perversidade – intenção de perturbar uma congregação; mas, certamente, não com o pensamento tão terrível de cometer um crime como o de assassinar aquelas infelizes criaturas. Deus perdoe os instigadores daquele terrível ato! Eles têm o meu perdão do mais profundo da minha alma. Isso não vai nos parar, porém; não estamos nem um pouco amedrontados pelo que houve. Eu ainda pregarei lá outra vez; sim, e Deus nos dará almas ali, e o império de Satã tremerá mais que nunca. “Se Deus é por nós quem será contra nós”? O texto que escolhi é o que me confortou e, em grande medida, me capacitou a vir até aqui hoje – tal o poder de conforto sobre o meu espírito deprimido da simples reflexão sobre ele. O texto é este: “Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra e toda língua confesse que Jesus Cristo é o Senhor, para a glória de Deus Pai” (Fp 2:9-11).
Não vou tentar pregar sobre esse texto; farei apenas algumas observações que ocorreram à minha mente; porque eu não poderia pregar hoje; fiquei absolutamente incapaz de estudar, mas achei que até umas poucas palavras poderiam ser aceitáveis para vocês nesta manhã, e confio aos seus amorosos corações o desculparem-nas. Ó, Espírito de Deus! Engrandeça a sua força na fraqueza do seu servo e capacite-o a honrar seu Senhor, mesmo quando a alma dele está desanimada dentro de si.
Quando a mente é posta com intensidade sobre um objeto, por mais que ela seja, por várias calamidades, jogada para lá e para cá, invariavelmente retorna ao lugar que tinha escolhido para ser sua moradia. Observem o caso de Davi. Quando a batalha tinha sido ganha pelos seus guerreiros, eles voltaram jubilosos com a vitória. A mente de Davi havia indubitavelmente sofrido muita perturbação nesse meio tempo; ele tinha temido igualmente tanto os efeitos da vitória quanto os da derrota; mas não notam vocês como a mente dele em certo momento voltou para o querido objeto de suas afeições? “O jovem Absalão está bem?” ele disse, como se não importasse mais nada do que havia acontecido, senão apenas seu filho a salvo! Assim se dá com os cristãos, amados. No meio das calamidades, sejam essas a destruição de nações, o colapso de impérios, a agitação de revoluções ou o flagelo da guerra, a grande pergunta que faz para si (e para outros também) é: O Reino de Cristo está em segurança? Em suas aflições pessoais, a principal preocupação é: Deus será glorificado e a sua honra aumentada com isso? Se assim for, diz ele, ainda que eu não seja mais que um pavio que fumega, se o sol não se escurecer, regozijar-me-ei; e, ainda que eu seja uma cana trilhada, se os pilares do templo estiverem inteiros, o que importa que a minha cana esteja trilhada? Ele acha consolação suficiente, no meio de todo aquele despedaçamento que sofre, ao pensar que o trono de Cristo permanece estável e firme, e que, ainda que a terra tenha balançado debaixo dos pés dele, não obstante, Cristo está sobre uma rocha inabalável. Alguns desses sentimentos, julgo eu, passaram pelas nossas mentes. Em meio a muitos distúrbios e várias torrentes de pensamentos transtornados, em vai e vem, nossas almas retornam ao querido objeto de nossos desejos e achamos não pequena consolação em dizer, apesar de tudo: “Não importa o que será de nós: Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo o nome, para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho”.
Esse texto tem proporcionado doce consolo a todos os herdeiros do céu. Permitam-me, mui brevemente, apresentar a vocês as consolações que ele contém. Para o verdadeiro Cristão, há muito conforto no próprio fato da exaltação de Cristo. Em segundo lugar, há não pequeno grau de consolação no motivo daquela. “Por isso, também, Deus o exaltou à mais alta posição”; isso em virtude de sua humilhação anterior. Em terceiro, há não pequena quantidade de conforto realmente divino ao se pensar na pessoa que exaltou Cristo. Por isso Deus também” – conquanto muitos homens o desprezem e o ponham para baixo – “Deus também o exaltou à mais alta posição”.
Primeiramente, então, NO PRÓPRIO FATO DA EXALTAÇÃO DE CRISTO EXISTE PARA O VERDADEIRO CRISTÃO UM GRAU MUITO GRANDE DE CONFORTO. Muitos de vocês que não têm parte nem sorte nas coisas espirituais, não tendo amor por Cristo, nem qualquer desejo pela sua glória, não farão outra coisa que não rir quando eu disser que isto é uma verdadeira garrafa de bebida estimulante ao lábio do cristão exausto: que Cristo, apesar de tudo, seja glorificado. Para vocês isso não é consolação, porque lhes falta aquela condição do coração que torna esse texto doce para a alma. Para vocês nada existe nele de alegre; ele não mexe com o seu coração; não dá doçura alguma à sua vida; precisamente por este motivo, por vocês não estarem ligados à causa de Cristo, nem devotadamente buscarem honrá-lo. Mas o coração do verdadeiro cristão pula de alegria, mesmo quando deprimido por tentações e tristezas diversas, com a lembrança de que Cristo está exaltado, pois que nisso ele encontra o bastante para alegrar o seu próprio coração. Notem aqui, amados, que o cristão tem certos atributos em seu caráter que tornam a exaltação de Cristo um objeto de grande regozijo para ele. Primeiro, ele tem, em sua própria opinião – e não em sua opinião somente, mas em realidade – um relacionamento com Cristo e, portanto, sente interesse pelo sucesso dos de sua família. Vocês têm observado a alegria do pai quando, passo a passo, o seu menino ascende à opulência ou à fama; têm notado como os olhos da mãe faiscaram de deleite quando sua filha se tornou uma mulher adulta e irrompeu em toda a magnitude da beleza. Vocês perguntam porque aqueles sentem tal interesse; e se lhes contam que é porque o menino era dele, ou a menina era dela. Eles se alegraram com o progresso dos seus pequeninos por causa do relacionamento que possuem com esses. Caso não houvesse relacionamento nenhum, eles poderiam ter se tornado reis, imperadores ou rainhas que aqueles sentiriam apenas um pequeno contentamento. Porém, devido ao parentesco, cada passo era envolvido por um profundo e excitante interesse. Ora, assim é com esse cristão. Ele sente que Jesus Cristo, o glorificado “Príncipe dos reis da terra”, é seu irmão. Embora o reverencie como Deus, ele o admira como homem-Cristo, ossos de seus ossos e carne de sua carne, deleitando-se, em seus plácidos e calmos momentos de comunhão com Jesus, em lhe dizer: “Ó Senhor, tu és meu irmão!” Seu canto é “Meu amado é meu, e eu sou do meu amado”. É seu gozo cantar:
Um no sangue com os pecadores,
Cristo Jesus o é; porque ele é um homem, exatamente como nós: e não é nem menos nem mais homem do que o somos, salvo apenas o pecado. Certamente, quando sentimos que estamos ligados a Cristo, sua exaltação é a fonte da maior alegria para os nossos espíritos; nós nos regozijamos nisso, visto ser um de nossa família que é exaltado. É o Irmão Mais Velho da grande e única família de Deus nos céus e na terra; é o Irmão a quem todos nós estamos ligados.
Existe também no cristão não apenas o mero sentimento de relacionamento, mas também um de unidade na causa. Ele sente que, quando Cristo é exaltado, ele próprio é exaltado em alguma medida, visto que tem empatia com o desejo daquele de promover a grande causa e glória de Deus no mundo. Eu não tenho dúvida de que cada soldado ordinário que permaneceu ao lado do Duque de Wellington se sentiu honrado quando o comandante foi aplaudido pela vitória; pois diz: “Eu o ajudei, eu o assisti; não foi de pouca importância a parte que desempenhei; tão-somente mantive meu posto; tão-somente suportei o fogo inimigo; contudo, agora a vitória está conquistada. Sinto honra nisso porque ajudei, em certa medida, a ganhá-la”. Desse modo, o cristão, quando vê seu Senhor exaltado, diz: “É o Capitão que está exaltado, e de sua exaltação todos os soldados compartilham. Eu não fiquei do lado dele? Pequena foi a obra que fiz, e pouca a força que eu possuía para o servir; mesmo assim, ajudei no trabalho”; e o mais ordinário dos soldados nas fileiras espirituais sente que ele próprio está em alguma medida exaltado quando lê isto: “Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo o nome” – um renome acima de qualquer nome – “para que ao nome de Jesus se dobre todo o joelho”.
Além disso, o cristão não apenas sabe que existe essa unidade em propósito, mas também uma união real entre Cristo e o seu povo todo. É uma doutrina da revelação em que raramente se discorre, mas nunca é demais pensar nela – a doutrina de que Cristo e seus membros são todos um. Não sabem vocês, amados, que cada membro da igreja de Cristo é um membro do próprio Cristo? Nós somos “sua carne e seus ossos”, partes do seu grande corpo místico; e quando lemos que a nossa cabeça é coroada, ó jubilem, membros dele, pés ou mãos, mesmo que a coroa não esteja em vocês, ainda que esteja na sua Cabeça, vocês partilham da glória por serem um com ele. Vejam Cristo ao longe, sentado à destra de seu Pai! Crente! Ele é o penhor da sua glorificação; ele lhe é a certeza da aceitação; mais ainda, ele é o representante de você. O trono que Cristo possui no céu, ele não o tem apenas por direito, como pessoa da Divindade, mas também como o representante da igreja inteira, porque ele foi o precursor dela, assentando-se em glória como o representante de cada uma delas. Regozije-se, ó crente, quando vir o seu Mestre exaltado da tumba, quando o contemplar exaltado nos céus. Então, quando o vir galgar os degraus de luz e assentar-se em seu sublime trono, onde a vista dos anjos dificilmente pode chegar – quando você ouvir a aclamação de milhares de serafins; quando você notar o alto clangor do coral em sinfonia de milhões de redimidos; pense – quando o vir coroado de luz – que você também está exaltado com ele, vendo que é uma parte dele. Feliz é você se souber disso, não somente em doutrina, mas em doce experiência também. Ligados a Cristo, casados com ele, crescidos nele, partes e porções dele próprio, nós pulsamos com o coração do corpo; quando a cabeça é glorificada nós compartilhamos do louvor; sentimos que sua glorificação concede uma glória sobre nós. Ah! Amados, vocês já sentiram essa unidade com Cristo? Já sentiram uma unidade de desejos com ele? Se já, descobriram ser isso rico em conforto; mas, caso contrário – se vocês não conhecem Cristo – será uma fonte de tristeza em vez de prazer estar ele exaltado, porque terão que refletir que ele está exaltado para os esmagar, exaltado para os julgar e os condenar, exaltado para varrer dessa terra todos os pecados e cortar a maldição pela raiz, e você com ela, a menos que se arrependa e torne-se para Deus com total intenção no coração.
Há ainda um outro sentimento, o qual penso ser extremamente necessário a todo grande gozo dessa grande verdade, a de que Cristo está exaltado. É um sentimento de inteira rendição de todo o ser de alguém à grande obra de procurar honrá-lo. Ó! eu tenho me esforçado para isso: queira Deus que eu possa chegar lá! Agora concentro todas as minhas orações em uma só, e esta oração é que eu morra para mim mesmo e viva inteiramente para ele. Isso me parece ser o mais alto estágio de um homem – não ter vontade, nem pensamento e desejo que não Cristo; sentir que morrer foi bem-aventurança, se por Cristo; que viver em penúria, aflição, desprezo, desdém e miséria foi doce por Cristo; sentir que não importa o que se tornou, desde que seu Mestre seja exaltado; sentir que, ainda que, como uma folha seca, você seja levado pelo vento, está bastante despreocupado quanto à direção em que vai, tão logo sente que a mão do Mestre o está guiando de acordo com a vontade dele. Ou, mais ainda, sentir que, embora como o diamante você tenha que ser lapidado, não importando como será cortado, para que se torne você adequado a ser um brilhante na sua coroa; que pouco se importe com o que lhe aconteça, desde que possa honrá-lo. Se algum de vocês tiver alcançado esse doce sentimento de auto aniquilação, olhará para Cristo como se ele fosse o sol, e dirá de si mesmo: “Ó Senhor, vejo os raios da tua luz; sinto-me com sendo, não como uma luz que vem de ti, mas trevas, engolido pela tua luz. O que eu mais peço é que vivas em mim, que a vida que vivo na carne não seja a minha vida, mas a tua vida em mim, que eu diga com ênfase, como Paulo disse, ‘Para mim viver é Cristo’”. Um homem que atingiu isso jamais precisa se preocupar com qual seja a opinião deste mundo. Ele pode dizer: “Você me elogia? Você me lisonjeia? Fique com as suas lisonjas: eu as quero, mas não vindas de você; eu busco louvar ao meu Mestre; você deixou louvores na minha porta; vá, e coloque-os na dele, e não na minha. Você me desdenha? Você me despreza? Três vezes feliz eu sou de levar essa carga. Não queira escarnecer e desprezar a ele!” Porém, caso o faça, saiba ainda disso, que ele está além do seu desdém; e, portanto, atinja o soldado por causa do Capitão; sim, golpeie, golpeie; mas no Rei você não pode tocar – ele é grandemente exaltado –, você pensa ter alcançado a vitória, você pode ter posto em debandada um soldado do exército, mas o corpo principal está triunfante. Um soldado parece estar batido até o pó, mas o Capitão está a caminho com as suas tropas vitoriosas, ele, debaixo de seus pés conquistadores, vai pisotear você que está ensoberbecido pela falsa vitória. Enquanto restar uma partícula de egoísmo em nós, ela irá arruinar nosso doce regozijo em Cristo; até que nos livremos dela, nunca sentiremos contentamento duradouro. Penso sim que a raiz das tristezas é o eu. Uma vez que conseguirmos escapar do eu, o sofrimento será doce, a doença será saúde, a tristeza será alegria, a penúria será riqueza, na mesma medida de nossos sentimentos para com os primeiros. Esses podem não ter mudado, mas os nossos sentimentos debaixo deles serão enormemente diferentes. Se quer procurar a felicidade, procure-a nas raízes do seu egoísmo; arranque o seu egoísmo, e você será feliz. Descobri isso sempre que tinha a menor alegria ao me preparar para sentir intensamente as flechas do inimigo; porém, quando digo sobre os louvores dos homens: “Sim, o que são vocês? Coisas sem valor!” – então também posso dizer sobre o desprezo deles – “Ora, vamos! Vou mandar todos vocês para onde eu mandei os louvores; podem ir juntos e lutar suas batalhas entre si; mas, quanto a mim, deixe as suas flechas baterem na minha armadura – elas não devem nem vão alcançar a minha carne”. Mas se você der lugar a uma delas, dará lugar a mais outra. Precisa buscar e aprender a viver totalmente em Cristo – a se entristecer quando vê Cristo difamado e desonrado, a se alegrar quando o vê exaltado, e então você terá motivo permanente para contentamento. Agora sente-se, ó ultrajado, ó pobre, desprezado e tentado; sente-se, levante os seus olhos, veja-o em seu trono, e diga dentro de si mesmo: “Por pequeno que seja, sei, todavia, que estou unido a ele; ele é meu amor, minha vida, meu gozo; não me importo com o que aconteça enquanto estiver escrito: “O Senhor reina”. Agora, rapidamente no segundo item. Aqui também está a própria fonte e manancial da alegria: A RAZÃO DA EXALTAÇÃO DE CRISTO. “Por isso Deus o exaltou”. Por quê? Porque “sendo ele na forma de Deus, não teve por usurpação ser igual a Deus, mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens: E sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Portanto Deus o exaltou à mais alta posição”. Isso, é claro, relaciona-se com o lado humano do nosso Senhor Jesus Cristo. Como Deus, Cristo não carecia de exaltação; ele era mais alto do que o mais alto, “Deus acima de tudo, bendito para sempre”. Mas, tendo sido os símbolos de sua glória obscurecidos por um tempo, tendo envolvido a sua Divindade em carne mortal, sua carne com sua divindade subiram às alturas, e o homem-Deus, Jesus Cristo, que tinha se humilhado à vergonha, tristeza e degradação, foi grandemente exaltado, “muito acima dos principados e potestades”, para que reinasse como Príncipe Regente sobre todos os mundos, sim, sobre o próprio céu. Vamos considerar, por um momento, essa profundidade de degradação a que Cristo desceu; e então, meus amados, dar-lhes-á alegria pensar que pela mesma razão sua humanidade foi grandemente exaltada. Você vê aquele homem –
O Homem humilde diante de seus inimigos,
O Homem exausto e cheio de mágoas?
Você o observa enquanto ele fala? Note a maravilhosa eloquência que jorra dos lábios dele, e vê como as multidões o ouvem? Mas escuta, à distância, o troar dos trovões da calúnia e do escárnio? Ouça as palavras dos seus acusadores. Dizem ser ele “um glutão e beberrão de vinho, amigo de publicanos e pecadores”; “ele tem demônio, ele é louco”. Todo o vocabulário de insulto foi gasto em vitupério sobre ele. Ele é caluniado, maltratado, atormentado! Pare! Você pensa que ele é rebaixado, aviltado por causa disso? Não, por esta razão mesma: “Deus o exaltou sobremaneira”. Observe a vergonha e as cuspidas que vieram sobre o rosto daquele homem de dores! Veja o seu cabelo puxado por mãos cruéis; note como o torturam e como zombam dele. Você acha que tudo isso é desonroso para Cristo? Aparentemente o é; contudo, ouça isto: “Ele foi obediente”, consequentemente “Deus o exaltou sobremaneira”. Ah! Existe uma maravilhosa conexão entre essa vergonha e cuspidas e o ajoelhar dos serafins; existe um estranho mas místico liame que une a blasfêmia e a difamação com o coral aprovador dos anjos em adoração. Um foi, por assim dizer, a semente do outro. Por estranho que seja, a semente negra e amarga fez nascer uma doce e gloriosa flor que floresce para sempre. Ele sofreu e reinou: ele se rebaixou para conquistar, e conquistou porque se rebaixou, e foi exaltado porque conquistou.
Reflita sobre ele ainda. Na imaginação, preste atenção nele, pregado lá na cruz! Ó sim! Você está cheio de pena, com as lágrimas aumentando! Ó! Como noto o sangue jorrando no rosto dele! Vê as mãos dele sangrando e os pés também, escorrendo sangue coagulado? Contemple-o! Os touros de Basã o rodeiam, e os cães o estão acuando para a morte! Ouça-o! “Eloí, Eloí, lamá sabactâni?”† A terra fica chocada e aterrorizada. Um Deus está gemendo em uma cruz! O quê? Isso não desonra Cristo? Não; é honra para ele! Cada um dos espinhos se torna um brilhante em seu diadema de glória; os pregos são forjados em seu cetro, e suas feridas vestem-no mesmo com a púrpura imperial. O pisar no lagar manchou as suas vestes, mas não com máculas de desprezo e desonra. As manchas estão bordadas sobre seus mantos reais para sempre. A pisada naquele lagar tornou seus vestidos púrpura com o império de um mundo; e ele é o Controlador de um universo para sempre. Ó cristão! Sente-se e considere que o seu Mestre não se elevou das montanhas da terra para o céu, mas dos vales. Não foi partindo das altitudes de bem-aventurança na terra que ele caminhou a passos firmes para as bênçãos eternas, mas das profundezas da angústia ele ascendeu para a glória. Ó! que caminhada foi aquela, quando em um poderoso passo, da sepultura para o trono do Altíssimo, o homem Cristo, o Deus, gloriosamente se elevou. Reflita ainda! Ele, de alguma maneira misteriosa mas verdadeira, foi exaltado porque sofreu. “E sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até a morte, e morte de cruz! Por isso Deus o exaltou à mais alta posição e lhe deu o nome que está acima de todo o nome”.
Crente, há conforto para você aqui, caso o queira. Se Cristo foi exaltado mediante a própria degradação, também você será. Não conte os seus passos para o triunfo pelos passos que sobem, mas por aqueles que aparentemente estão descendo. O caminho para o céu é morro abaixo. Aquele que quiser ser honrado para sempre deve cair em sua própria estima, e muitas vezes na dos seus semelhantes. Ó! Não pense naquele tolo que está subindo ao céu pela opinião leviana sobre si mesmo e pelas adulações de seus amigos de que ele irá seguramente alcançar o Paraíso; ao contrário, o lugar onde esse descansa vai explodir, e ele vai cair e ser feito em pedaços. Contudo, aquele que desce às minas do sofrimento encontrará riquezas ilimitadas ali; e aquele que mergulha nas profundezas da aflição encontrará a pérola da vida eterna dentro das cavernas. Recorde-se, cristão, de que você é exaltado quando é desgraçado; interprete as calúnias dos seus inimigos como a aclamação dos justos; considere o escárnio e a zombaria dos homens perversos como iguais ao louvor e honra dos piedosos; a condenação desses é censura, e a censura deles, louvor. Reconheça também que, se o seu corpo for para sempre exposto à perseguição, isso não é vergonha para você, mas o inverso; e se for privilegiado (e você o pode) para usar a coroa tinta do sangue vermelho do martírio, não julgue que é desgraça morrer. Lembre-se de que os mais honrados na igreja são “o nobre exército dos mártires”. Reconheça que, quanto maior foram os sofrimentos que eles suportaram, tanto maior foi o “peso eterno da glória” deles; e o mesmo suporte você, caso se encontre na violência e no centro da luta, lembrando-se de que estará de pé no meio da glória. Se tiver a coisa mais difícil para aguentar, terá a mais doce para desfrutar. Continue, então ― pelas enxurradas, pelo fogo, pela morte, pelo inferno, se estiverem em seu caminho. Não tema. Aquele que glorificou Cristo porque esse se humilhou, glorificará você; porque, depois que tiver feito você resistir por algum tempo, ele lhe dará “uma coroa de vida imarcescível”.
E agora, em último lugar, amado, aqui ainda há um outro conforto para você. A PESSOA que exaltou Cristo tem de ser notada. “Deus o exaltou sobremaneira”. O czar de todas as Rússias coroa-se a si mesmo; ele é um autocrata, e coloca a coroa sobre a própria cabeça; mas Cristo não teve tal orgulho tolo. Cristo não coroou a si mesmo. “Deus também o havia exaltado sobremaneira”. A coroa foi posta na cabeça de Cristo por Deus; e para mim existe uma mui encantadora reflexão nisto: que a mão que pôs a coroa na cabeça de Cristo irá um dia pô-la nas nossas; que o mesmo Poderoso que coroou a Cristo como “Rei dos Reis e Senhor dos Senhores” vai nos coroar quando nos fizer “Reis e sacerdotes para ele para sempre”. Disse Paulo: “Eu sei que agora me está reservada a coroa da justiça, que o Senhor, justo Juiz, me dará naquele dia”.
Detenha-se agora apenas neste pensamento – que Cristo não coroou a si mesmo, mas seu Pai o coroou; que ele não elevou a si mesmo ao trono de majestade, mas seu Pai o elevou até ali e o colocou em seu trono. Sobre o porquê disso, reflita: o homem nunca exaltou a Cristo grandemente. Depois, oponha isso a isto: “Deus o exaltou sobremaneira”. Os homens vaiaram, zombaram e apuparam a ele. As palavras não foram duras o suficiente – quiseram usar pedras. “Eles pegaram em pedras para apedrejá-lo”. Como não deu certo com pedras, pregos tiveram que ser usados e ele teve que ser crucificado. E depois veio o escárnio, o ridículo, a zombaria, enquanto definhava pendurado na cruz de morte. O homem não o exaltou. Ponha aí o negro retrato. Agora ponha este, com essa gloriosa, essa brilhante cena, lado a lado com ele, e um estará em contraste com o outro. O homem o desonrou; “Deus também o exaltou”. Crente, se todos os homens falam mal de você, levante a cabeça e diga: “O homem não exaltou o meu Mestre; e fico grato por aquele não me exaltar. O servo não pode estar acima do seu amo; nem o servo acima do seu senhor, nem o que é enviado maior do que aquele que o enviou”.
Se sobre meu rosto, por causa de seu caro nome,
vergonha e vitupério vierem;
saudarei o vitupério e com prazer receberei a vergonha,
por que ele vai de mim se lembrar.
Deus vai se lembrar de mim, e depois de tudo muito me exaltará, ainda que o homem me humilhe. Repetindo, oponha isso ao fato de que Cristo não exaltou a si mesmo. Pobre cristão! Você sente que não pode exaltar a si próprio. Algumas vezes não consegue animar o seu pobre espírito deprimido. Alguém lhe diz: “Ó, você não deveria se sentir assim”. Dizem a você: “Oh! Você não devia dizer tais palavras, nem ter tais pensamentos”. Ah! “o coração conhece suas próprias amarguras, e um estranho não deve se meter ali” – sim, e acrescento eu: “nem mesmo um amigo”. Não é fácil dizer como outra pessoa deve sentir ou como outrem deve agir. Nossas mentes são constituídas de maneiras diferentes, cada uma tem seu próprio molde, que é usado e quebrado em seguida, e nunca haverá outro semelhante. Somos todos diferentes, cada um de nós; mas tenho certeza de que existe uma coisa na qual nós somos unidos em tempos de profunda mágoa, ou seja, uma sensação de desamparo. Sentimos que não podemos exaltar a nós mesmos. Ora, lembre-se, nosso Mestre se sentiu exatamente assim. No Salmo 22 (que, se interpreto corretamente, é um belo solilóquio de Cristo sobre a cruz), ele diz a si mesmo “Eu sou verme e não sou homem”. Como se ele se sentisse em si tão quebrado, tão humilhado, que, em vez de ser mais que um homem, como era, sentia-se por um pouco de tempo menos que um homem. No entanto, quando ele não podia levantar um dedo para coroar-se a si mesmo, quando dificilmente podia ter um pensamento de vitória, quando seu olho não podia se iluminar mesmo com um distante vislumbre de triunfo ― nesse momento seu Deus o estava coroando. Está você despedaçado assim, cristão? Não cuide que foi lançado fora para sempre; porque “Deus também exaltou sobremaneira” aquele que não exaltou a si mesmo; e tal é uma imagem e uma profecia do que ele fará por você.
E agora amados, pouco mais tenho a dizer sobre esse texto, a não ser convidá-los a meditar e pensar nele por alguns minutos. Ó! Que seus olhos se dirijam para cima; peça ao véu azul dos céus que se divida; peça poder a Deus – quero dizer, poder espiritual vindo do alto, para olhar para dentro do véu. Eu convido vocês, não para olharem para as ruas de ouro, nem para os muros de jaspe, nem para a cidade com portas de pérolas. Não peço que virem os seus olhos para a multidão vestida de branco, que para sempre cantam Aleluia em voz alta; mas, meus amigos, voltem os seus olhos para ali:
Ali, como homem, o Salvador se assenta;
o Deus, quão luminoso ele brilha;
espalhando infinito deleite
em todas as mentes felizes.
Você o vê?
A cabeça que foi coroada de espinhos,
Está coroada de glória agora;
Um real diadema adorna
A fronte daquele poderoso Vencedor.
Não mais a coroa sangrenta,
A cruz e pregos não mais
Pois o próprio inferno estremece ao franzir de suas sobrancelhas,
E todos os céus adoram.
Olhe para ele! A sua imaginação consegue retratá-lo? Contemple a sua glória transcendental! A majestade de reis é tragada; a pompa de impérios se dissolve como a branca névoa da manhã antes do sol, o brilho de exércitos reunidos é eclipsado. Ele em si mesmo é mais brilhante que o sol, mais temível que exércitos com estandartes. Veja-O! Veja-O! Ó! escondam as suas cabeças, monarcas; abandonem a sua espalhafatosa ostentação, senhores dessa pobre e pequena terra! Seu reino não conhece fronteiras; seu vasto império se estende além de si mesmo, sem limites. Acima dele, tudo é dele; abaixo dele, a muitos passos, estão os anjos, e esses são seus; e eles lançam suas coroas aos pés dele. Com eles estão os seus eleitos e resgatados, e as coroas desses também são dele. E aqui embaixo sobre a terra ficam os seus santos, e esses são dele, e eles o adoram; e até debaixo da terra, no meio dos infernos, onde demônios rosnam a sua malícia, existe tremor e adoração; e onde espíritos perdidos, com pranto e ranger de dentes para sempre lamentam seu estado, mesmo ali existe o reconhecimento de sua Divindade, ainda que a confissão ajude a atear o fogo dos seus tormentos. Nos céus, na terra, no inferno, todos os joelhos se dobram diante dele, e toda a língua confessa que ele é Deus. Se não agora, todavia, no tempo que há de vir isso será levado a efeito, a fim de que cada criatura feita por Deus reconheça o Filho dele como sendo “Deus sobre todos, bendito para sempre. Amém”. Ó! Minha alma antegoza esse dia abençoado, quando toda esta terra dobrará os joelhos diante de seu Deus pela própria vontade! Eu acredito que está chegando uma era de felicidade, quando não haverá um joelho sequer sem se dobrar diante de meu Senhor e Mestre. Espero aquele tempo, aquela glória do último dia, quando reis trarão presentes, quando rainhas serão as mães de peito da igreja, quando o ouro de Sabá e os navios de Társis, bem como os camelos da Arábia, serão igualmente dele, quando as nações e tribos de todas as línguas irão
Deter-se em seu nome com doce canto,
E infantes vozes proclamarão
As suas bênçãos precoces em seu nome.
Por vezes espero viver para ver essa era todo auspiciosa – a era do alcíone desse mundo, tão oprimido com mágoa e tristeza pela tirania de seus próprios habitantes. Eu espero ver o tempo em que se dirá: “Bradem, porque o grande Pastor reina, e seu reino sem sofrimentos agora é chegado” – quando a terra será uma grande orquestra de louvor, e todo homem cantará o glorioso hino de aleluia do Rei dos reis. Mas mesmo agora, enquanto aguardo essa era, minha alma se regozija no fato de que todo joelho potencialmente se dobra, ainda que não voluntariamente, mas em realidade. O escarnecedor, quando abre a boca contra os altos céus, pensa que insulta a Deus? Ele julga que sim, mas seus insultos morrem bem antes de alcançar a metade do caminho para as estrelas. Imagina ele, quando em sua malícia forja uma espada contra Cristo, que sua arma prosperará? Se sim, bem posso ter a ideia da troça que Deus faz quando vê o mais selvagem rebelde, o mais perdido desprezador, ainda realizando os grandes decretos daquele, ainda fazendo o que Deus tinha eternamente ordenado e, no meio de sua selvagem rebelião, ainda correndo na mesma trilha que por algum modo misterioso, antes de toda a eternidade, tinha sido marcada como a trilha na qual aquele ser certamente se moveria. “Os selvagens corcéis da terra arrebentaram os freios, as rédeas escaparam das mãos do carreteiro” – assim dizem alguns; mas não escaparam, ou, se escaparam, os cavalos correm o mesmo curso que teriam corrido se o Todo Poderoso ainda estivesse agarrado às rédeas. O mundo não entrou em confusão; o acaso não é Deus; Deus ainda é o Controlador, e que os homens façam o que quiserem, e odeiem a verdade que ora nós apreciamos, no final das contas farão o que Deus quiser, e a rebelião mais terrível deles apenas provará ser uma espécie de obediência, ainda que não o saibam.
Mas você dirá: “Porque ainda achas falta? Pois quem resiste a uma vontade tal como aquela?”. “Negativo: ó homem, quem és tu que contestas a Deus? Dirá a coisa criada àquele que a criou: porque me fizeste assim? Não tinha o oleiro poder sobre o barro, para da mesma massa informe fazer um vaso para honra e outro para desonra? E se Deus, querendo mostrar a sua ira, e fazer o seu poder conhecido, aguentou com muita paciência esses vasos próprios para a destruição, para que tornassem conhecidas as riquezas da sua glória sobre os vasos da misericórdia, que ele tinha já antes preparado para a glória”, quem é que vai censurá-lo? Ai daquele que contender com seu Criador! Ele é Deus – saibam disso todos vocês, habitantes da terra; apesar de tudo, todas as coisas atenderão à vontade divina. Eu gosto do que Lutero diz em seu corajoso hino, no qual, não obstante tudo o que aqueles que odeiam a predestinação selecionem para afirmar, ele a conhecia, corajosamente declarando que “em todos os lugares Ele tem o domínio, e todas as coisas servem ao seu poder”. Não importa tudo o que elas façam, há o controle de Deus, afinal. Continue insultando, injuriador! Deus sabe como fazer todos os seus insultos em hinos! Se quiser prossiga, você que guerreia contra Deus; mas saiba disto: sua espada ajudará a engrandecer a Deus e a estabelecer glória para Cristo quando você cogitou no massacre da igreja dele. Sucederá que tudo que você fizer será frustrado; porque Deus torna os adivinhos loucos, e diz: “Onde está a sabedoria do escriba? Onde está a sabedoria do sábio?” Definitivamente, “ele foi exaltado por Deus, que lhe deu um nome que está acima de todo nome”.
E por último, amados, se é verdade, como de fato é, que Cristo está tão exaltado que tem de ter um nome acima de todo o nome, e todo o joelho tem de se dobrar diante dele, não vamos nós dobrar os nossos joelhos nesta manhã diante da Majestade dele? Quer queira quer não, um dia você deverá dobrar os joelhos. Ó pecador de tendões de aço, dobre os seus joelhos agora! Você terá que dobrá-lo, homem, naquele dia em que os relâmpagos serão liberados e os trovões ribombarão em fúria selvagem: você terá que dobrar o seu joelho então. Ó! Dobre-o agora! “Beijem o filho, para que ele não se não ire e vocês não sejam destruídos de repente, pois num instante acende-se a sua ira”. Ó Senhor dos exércitos! Dobre os joelhos dos homens! Faça de todos nós os súditos voluntários da sua graça, para que não aconteça depois de, contra a nossa vontade, sermos os escravos do seu terror; arrastados com correntes de vingança para baixo, para o inferno. Ó! Que agora aqueles que estão na terra de bom grado curvem seus joelhos para que não aconteça de isso ser cumprido no inferno. “As coisas debaixo da terra dobrarão os joelhos diante dele”.
Deus os abençoe, meus amigos, não posso dizer mais que isso. Deus os abençoe, por amor de Jesus! Amém!
Charles Haddon Spurgeon – Sermão Proferido na manhã do domingo de 2 de novembro de 1856, na New Park Street Chapel, Southwark – Inglaterra.
Nota: Este sermão foi a primeira mensagem de Spurgeon em seguida ao desastre no Music Hall em Royal Surrey Gardens, no qual sete pessoas perderam as suas vidas quando alguns canalhas propositadamente provocaram pânico, mediante alerta de um suposto incêndio, enquanto o Sr. Spurgeon pregava.