Deus plantou grande número de árvores no Jardim do Éden, mas ‘no meio do jardim’, isto é, em um lugar de especial proeminência, plantou duas árvores: a árvore da vida e a árvore do conhecimento do bem e do mal. Pense em um homem adulto, digamos, com 30 anos de idade, que não tenha senso do certo e do errado, nenhum poder para diferenciar os dois. Você não diria que o desenvolvimento desse homem estaria incompleto? Bem, Adão era exatamente assim.
E Deus o colocou no jardim, dizendo: ‘Ora, o jardim está cheio de árvores, cheio de frutos, e podes comer livremente do fruto de todas as árvores. Mas, no meio do jardim, há uma árvore chamada a árvore do conhecimento do bem e do mal; não deves comer dela porque, no dia em que o fizeres, certamente morrerás. Mas, lembra-te, o nome da outra árvore, no meio do jardim, é árvore da Vida’.
Qual é, pois, o significado dessas duas árvores? Adão, por assim dizer, foi criado moralmente neutro – nem pecador, nem santo, mas inocente – e Deus colocou essas duas árvores no jardim para que ele pudesse pôr em prática a faculdade do livre arbítrio de que era dotado. Podia escolher a árvore da vida ou escolher a árvore do conhecimento do bem e do mal.
Ora, o conhecimento do bem e do mal, embora a Adão tivesse sido proibido, não é mau em si mesmo. Sem ele, Adão está limitado e não pode, por si mesmo, decidir em questões de ordem moral. O julgamento do que é certo e bom não lhe pertence, e sim a Deus; e, para Adão, a única maneira de agir diante de qualquer questão seria apresentá-la a Deus Jeová. Assim, há no jardim uma vida que depende totalmente de Deus. Essas duas árvores representam, portanto, dois princípios profundos. Simbolizam dois planos de vida: o divino e o humano. A árvore da vida é o próprio Deus, porque Deus é vida. Ele é a mais elevada expressão da vida, bem como a fonte e o alvo da vida. E o fruto, o que representa? É nosso Senhor, Jesus Cristo. Não podemos comer a árvore, mas podemos comer seu fruto. Ninguém é capaz de receber Deus como Deus, mas podemos receber o Senhor Jesus Cristo. O fruto é a parte comestível, a parte da árvore que se pode receber. Podemos assim dizer, com a devida reverência, que o Senhor Jesus Cristo é realmente Deus em forma receptível – Deus, em Cristo, pode ser recebido por nós.
Se Adão tomasse da árvore da vida, participaria da vida de Deus e, assim, se tornaria um ‘filho’ de Deus, no sentido de ter em si mesmo a vida derivada de Deus. Teríamos, então, a vida de Deus em união com o homem – uma raça de homens tendo em si a vida de Deus e vivendo em constante dependência de Deus para a manifestação dessa vida. Se, por outro lado, Adão se voltasse na direção contrária e tomasse do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, desenvolveria, então, sua própria humanidade de forma natural e separadamente de Deus. Como um ser autossuficiente, ele possuiria em si mesmo o poder para formar julgamento independente, mas não teria nenhuma vida da parte de Deus.
Portanto, essas eram as alternativas que estavam diante dele. Escolhendo o caminho do Espírito, o caminho da obediência, poderia tornar-se um ‘filho’ de Deus, dependendo de Deus para sua vida, mas, seguindo o curso natural, ele poderia, por assim dizer, dar o toque final em si mesmo, tornando-se um ser auto dependente, julgando e agindo independentemente de Deus. A história da humanidade é o resultado da escolha feita por Adão.
A Escolha de Adão, a Razão da Cruz
Adão escolheu a árvore do conhecimento do bem e do mal, tomando assim uma posição de independência. Ficou sendo o que até hoje é o homem (aos seus próprios olhos): homem ‘plenamente desenvolvido’ que pode comandar o conhecimento, decidir por si mesmo, prosseguir ou deter-se. Desde então, tinha ‘entendimento’ (Gn 3:6). Mas a consequência para ele foi morte em vez de vida, porque a escolha que fez envolvia cumplicidade (pessoa que colabora) com Satanás e o colocou sob juízo de Deus. Foi por isso que, daí em diante, o acesso à árvore da vida teve de lhe ser proibido.
Dois planos de vida foram colocados perante Adão: o da vida divina, em dependência de Deus, e o da vida humana, com os seus recursos ‘independentes’. Foi pecaminosa a escolha que Adão fez, porque assim tornou-se aliado de Satanás para frustrar o eterno propósito de Deus. Ele fez isso ao escolher desenvolver sua própria humanidade – tornar-se, talvez, um homem muito refinado e até mesmo, segundo o seu padrão, um homem ‘perfeito’ – independente de Deus. No entanto, o resultado foi morte, porque ele não tinha em si mesmo a vida divina imprescindível para realizar em si o propósito de Deus. Mas Adão escolheu ser ‘independente’, um agente do inimigo. Assim, em Adão, todos nos tornamos pecadores, dominados por Satanás, sujeitos à lei do pecado e da morte e merecendo a ira de Deus.Vemos, assim, a razão divina da morte e da ressurreição do Senhor Jesus. Vemos, também, a razão divina da verdadeira consagração – para nos considerarmos mortos para o pecado, mas vivos para Deus, em Cristo Jesus, e para nos apresentarmos a Deus como vivos dentre os mortos. Todos devemos ir à cruz, porque o que está em nós, por natureza, é a vida do eu, sujeita à lei do pecado. Adão escolheu uma vida própria em vez da vida divina; assim, Deus teve de juntar e eliminar tudo que estava em Adão. Nosso ‘velho homem’ foi crucificado. Deus incluiu-nos todos em Cristo e crucificou-O, como último Adão, aniquilando assim tudo o que pertence a Adão. Depois, Cristo ressuscitou em uma nova forma, ainda com um corpo, mas ‘no Espírito’ e não mais ‘na carne’. O último Adão, porém, é espírito vivificante (1 Cor 15:45). O Senhor Jesus agora tem um corpo ressurreto, espiritual, glorioso e, desde que não está mais na carne, pode agora ser recebido por todos. ‘Quem de mim se alimenta, por mim viverá’ , disse Jesus (Jo 6:57). Os judeus sentiram repugnância diante da ideia de comer Sua carne e beber Seu sangue, mas evidentemente não O poderiam receber porque literalmente Ele ainda estava na carne. Agora que Ele está no Espírito, cada um de nós pode recebê-Lo, e é por meio de participarmos da Sua vida ressurreta que somos constituídos filhos de Deus. ‘A todos quantos o receberam, deu-lhes o poder de serem feitos filhos de Deus (…) os quais nasceram (…) de Deus’ (Jo 1:12-13).
Deus não está empenhado em reformar nossa vida. Seu alvo não consiste em aperfeiçoar essa vida porque a nossa vida situa-se em um plano totalmente errado. Nesse plano, Ele não pode conduzir o homem à glória. Ele precisa ter um novo homem, nascido de Deus, nascido de novo. A regeneração e a justificação caminham juntas.
Aquele que tem o Filho tem a vida
Há vários planos de vida. A vida humana situa-se entre a vida dos animais inferiores e a vida de Deus. Não podemos transpor o golfo que nos separa do plano superior ou do plano inferior, e a separação que há entre nossa vida e a de Deus é infinitamente superior à que existe entre a nossa vida e a dos animais. Certa vez, na China, visitei um líder Cristão que estava de cama, doente, e quem, por causa da sua história chamarei de sr. Wong, ainda que esse não seja seu verdadeiro nome. Ele é um homem muito culto, um PhD., e alguém que era estimado em toda a China por seus altos princípios morais, e por muito tempo esteve engajado no serviço cristão. Mas ele não cria na necessidade de regeneração. Ele apenas proclamava aos homens um Evangelho social de amor e boas obras.
Quando visitei o Sr. Wong, seu cachorrinho estava ao lado de sua cama, e, após ter falado com ele das coisas de Deus e da natureza de Seu trabalho em nós, apontei para o cachorrinho e perguntei qual era o seu nome. Ele me disse que seu nome era Fido. ‘Fido é o seu primeiro nome ou o seu sobrenome’? Perguntei (utilizando os termos chineses para ‘primeiro nome’ e ‘sobrenome’). ‘Oh, esse é apenas o seu nome’, respondeu ele. ‘Você quer dizer que é apenas o seu primeiro nome? Posso chamá-lo Fido Wong’? Prossegui. ‘Certamente que não’! Veio a resposta enfática. ‘Mas ele vive com a sua família’, retruquei. ‘Por que você não o chama de Fido Wong’? Então, apontando para suas duas filhas, perguntei: ‘Suas filhas não se chamam srta. Wong’? ‘Sim’! ‘Bem, então, por que não posso chamar seu cachorro de Mestre Wong’? O doutor riu e eu prossegui: ‘Você entende onde quero chegar? Suas filhas nasceram na sua família e têm seu nome porque você comunicou vida a elas. Seu cachorro pode ser bem inteligente, bem comportado e, no geral, um cachorro notável. Mas a questão não é: ele é um cachorro mau ou bom?, mas simplesmente: ele é um cachorro? Ele não precisa ser mau para ser desqualificado de ser um membro de sua família. Ele apenas precisa ser um cachorro.
O mesmo princípio aplica-se ao seu relacionamento com Deus. A questão não é se você é homem bom, mau ou mais ou menos, mas simplesmente: É você um homem? Se sua vida está em um plano inferior ao da vida de Deus, então você não pode pertencer à família divina. Durante toda a sua vida, seu objetivo ao pregar tem sido transformar homens maus em homens bons. Mas homens em si mesmos, quer sejam maus ou bons, não podem ter qualquer relacionamento vital com Deus. Nossa única esperança como homens é receber o Filho de Deus e, quando o fazemos, Sua vida em nós nos constituirá filhos de Deus. O doutor viu a verdade e, naquele dia, tornou-se um membro da família de Deus ao receber o Filho de Deus no coração. O que hoje possuímos em Cristo é mais do que Adão perdeu. Adão era apenas um homem desenvolvido. Permaneceu naquele plano e nunca possuiu a vida de Deus. Mas nós, que recebemos o Filho de Deus, recebemos não só o perdão dos pecados, mas também recebemos a vida divina que estava representada no Jardim pela árvore da vida. Pelo novo nascimento, possuímos o que Adão perdera, pois recebemos uma vida que ele nunca teve.
Watchman Nee – Extraído do livro ‘A Vida Cristã Normal’, de Watchman Nee.