A Denominação de “Irmãos”
A denominação “Os Irmãos”, como aplicada às congregações de crentes que procuram ser guiadas apenas pelos princípios das Escrituras em seus encontros, é uma designação absolutamente incorreta. Ela é, ou deveria ser, repudiada por aqueles que assim são chamados. Sem dúvida a expressão “irmãos de Plymouth” teve um início bastante inocente e surgiu do fato que, em seu trabalho evangelístico e no testemunho que davam, eles se tornaram conhecidos como “irmãos de Plymouth”. O erro surgiu em generalizar as circunstâncias de uma determinada localidade e em aplicar aos outros crentes, além dos “de Plymouth”, um termo que nada significava e que era aplicado sem o consentimento ou a concordância dos próprios crentes daquela cidade.
A denominação é falsa em mais de um aspecto. É contrária ao ensino das Escrituras, que, no sentido espiritual da palavra, inclui todos os crentes e não dá nenhuma justificação para qualquer terminologia denominacional assim.
Além disso, ela sugere algo que é absolutamente sem fundamento, ou seja, que as congregações locais às quais o termo é aplicado estão agrupadas em uma união denominacional, um sistema eclesiástico, enquanto que o Novo Testamento ensina, como um princípio fundamental relativo às congregações locais, que cada uma permanece sobre a sua própria base em dependência do Senhor somente e na sujeição à orientação e ao ministério, não de alguma união ou organização, mas do Espírito Santo, que vive dentro de cada igreja local como sendo Seu Templo da localidade.
Esse princípio é mantido pelas várias congregações das que estão simplesmente procurando aderir de verdade às Escrituras como o guia todo suficiente a respeito da vontade de Deus, e como “pela fé que de uma vez para sempre foi entregue aos santos” (Judas 3) – “uma vez para sempre” é como dizer que é a revelação final do Espírito de Deus para Seu povo. A própria adesão dessas congregações ao ensino do Novo Testamento lhes causa (ou devia causar) com que rejeitem a incriminação de que constituem uma seita chamada erradamente de “Irmãos”. É significativo que nenhuma placa denominacional assim é colocada por fora dos edifícios onde se reúnem essas congregações.
UMA SUPOSIÇÃO INFUNDADA
O termo também é contrário à realidade, por pressupor que em alguma oportunidade ou outra, aqueles que em diferentes lugares e fora de qualquer associação chegaram a uma compreensão do que o Novo Testamento ensina e viram a importância de obedecê-lo ao invés de acompanhar as tradições dos sistemas religiosos, vieram a aceitar a denominação de “Irmãos”. Essa denominação foi dada a eles como alcunha. A falácia de uma tal denominação tem sido em grande medida exposta com êxito, porém talvez inadequadamente.
O fato é que, por um movimento muito acentuado do espírito de Deus, os cristãos em vários lugares, sem saber o que estava acontecendo da mesma forma e simultaneamente em outros lugares, vieram a reconhecer a necessidade absoluta de se tornarem obedientes ao que as Escrituras ensinam, em contraste com os sistemas denominacionais, que foram simplesmente a consequência de uma ruptura em tempos medievais do papado, e que parou aquém de discernir e seguir todo o conselho de Deus conforme está revelado em Sua Palavra. Abandonar as formas de erro é uma coisa; aceitar a verdade em sua plenitude é outra.
A LIBERDADE DOS DITAMES DO HOMEM
Além disso, o trabalho do Espírito de Deus na abertura dos olhos dos crentes em localidades diferentes e em épocas diferentes se seguiu por mais de um século, sem ser dirigido pelos ditames ou ensinamentos de alguma autoridade central. É um fato significativo que não só na Grã-Bretanha, mas na América, Austrália, Nova Zelândia e países da Europa, bem como noutros locais, congregações como aquelas que são chamadas erradamente de “Irmãos” foram constituídas sem se associarem às manifestações semelhantes em outros lugares, como resultado do ensino das Escrituras, seja pela leitura direta e independente delas, ou pelo ensino de professores desligados de qualquer sociedade, assim como nos tempos mais antigos conforme está registrado no Novo Testamento.
DESONRA AO ESPÍRITO SANTO
Essas congregações não podem evitar o que os outros as chamem, mas que qualquer uma delas tacitamente aceite esta alcunha que não é bíblica é muito reprovável. Sua utilização desonra o espírito de Deus e é uma falsificação da posição real de qualquer congregação formada biblicamente. A forma petulante ou jocosa em que ela ou alguma derivação dela é às vezes usada é também reprovável. O trabalho do Espírito Santo na capacitação dos crentes para se reunirem de acordo com as Escrituras, para se formarem em igrejas locais pelo Seu poder e com o reconhecimento dos Seus direitos e prerrogativas de oferecer dons espirituais para o cuidado de cada congregação e de controlar e orientar o seu culto, é sagrado demais para permitir a utilização de tais designações.
Há os que o fazem sem nunca ter descoberto a verdade da Palavra de Deus, e ignoram o que as Escrituras ensinam quanto aos princípios da igreja e a forma em que estão sendo mantidos. Esses epítetos são partes dos mal-entendidos ou zombaria que aqueles que são fiéis a Cristo têm de suportar, mas nunca devem ser aceitos ou usados pessoalmente por quaisquer membros dessas igrejas.
Que algumas congregações locais de crentes estão em estado espiritual tão baixo que seu caráter e conduta negam a sua profissão de fé é inegável, mas isso não lhes dá nenhuma justificação para usar o termo “Irmãos”, como se fossem uma seita degenerada, e como se aquilo que poderia ser infelizmente verdade de qualquer congregação individual e local deveria ser considerado uma característica geral de todas essas igrejas. O fato já mencionado que cada igreja está construída sobre a sua própria base, separada e independente, faz com que uma denominação comum seja uma completa deturpação. O que é a característica de uma congregação nunca pode necessariamente ser a mesma característica de todas elas.
OUTRO EQUÍVOCO
Mais uma vez, que uma congregação de cristãos verifique qual o ensino do Novo Testamento em matéria de batismo e seu ensino sobre “o partir do pão”, isto é, que “a Ceia do Senhor” foi designada para ser celebrada no primeiro dia da semana, e pratique essas ordenanças como ali inculcadas, tem dado origem, em alguns setores do denominacionalismo, à falsa ideia que o cumprimento das duas práticas caracteriza especialmente aqueles que incorretamente são chamados de “Irmãos”. Essa opinião não é muito geral, mas existe. No entanto, ela serve para exemplificar o fato que o cumprimento fiel da Palavra de Deus vai fatalmente dar de encontro com equívocos e preconceitos e, em algumas ocasiões, o que equivale a uma zombaria. Esse tipo de coisa deve, contudo, ser apenas o meio de dar um testemunho contínuo e firme, de tal modo que permitirá a outros cristãos pesquisar as Escrituras sobre estas questões e realizá-las em fidelidade a Cristo. Só assim pode qualquer igreja local receber aquela aprovação que o Senhor expressou em Seu louvor à igreja em Filadélfia: “tens pouca força, entretanto guardaste a minha palavra e não negaste o meu nome” (Apocalipse 3:8).
Alguém que estava em contato muito próximo com o reavivamento no início do século dezenove faz conhecer os fatos do movimento, em contraste com a imputação que está implícita no equívoco sobre o termo “Irmãos”. Depois de mencionar como este reavivamento começou entre crentes por sua leitura da Bíblia em conjunto, e verificar as verdades com respeito à segunda vinda de Cristo e da igreja local, diz ele: “eles se desfizeram de todas as tradições e leram a Bíblia sem anotação ou comentário. Muitos eram homens de entendimento e cultura, mas puseram à parte todas as tradições e comentários e resolveram, com a ajuda de Deus, a procurar por si. À medida que investigavam a Bíblia, não podiam descobrir nada em torno deles que fosse como era descrito nas Escrituras, o que os espantou. Examinaram todas as seitas, mas não viram qualquer fac-símile da descrição constante nas Epístolas”.
ENSINAMENTOS DO NOVO TESTAMENTO
Descobriram no Novo Testamento que os crentes se reuniam para participar da Ceia do Senhor sem um ministro autorizado para consagrar ou distribuir o pão e o vinho. Foram então levados a se reunirem como crentes como se fazia nos tempos mais antigos. Viram que em cada igreja local havia anciãos (chamados superintendentes ou “bispos”), sempre mais de um, para cuidar espiritualmente de cada igreja e que não estava de acordo com o ensino do Novo Testamento um único ministro ordenado conduzir uma reunião para o culto e o partir do pão, mas que uma igreja local era um corpo no qual as atividades espirituais eram realizadas por diferentes membros, enquanto que nas denominações muitas pessoas dotadas não conseguiam exercer as suas funções.
Decidiram, portanto, que deviam seguir as Escrituras em vez das tradições dos sistemas do cristianismo, que deixou de reconhecer os direitos e prerrogativas do Espírito Santo. Esta tentativa de pôr em prática os princípios da verdade não foi feita sem grande custo de várias formas, porque não era uma seita que estava se opondo; todo mundo estava contra essa congregação estranha, e assim foi à custa de muitas amizades que a separação foi feita.
Que este reavivamento mediante o cumprimento da Palavra de Deus tem dado origem ao infundado apelido “Os Irmãos” é um dispositivo do inimigo espiritual, cujo objetivo tem sido de assim impedir que os crentes sinceros sigam a verdade.
William Edwy Vine (1873-1949) – Nasceu em 1873 de pais crentes que se reuniam na igreja de Blandford, Dorset na Inglaterra. Mudaram-se para Exeter e foi na igreja dali (Fore Street) que se converteu e foi batizado aos catorze anos, passando a ser membro dela. Dedicou-se aos seus estudos escolares obtendo os graus de bacharel e mestre em estudos clássicos da Universidade de Londres.
A essa altura ele já era bem conhecido como pregador do Evangelho e mestre no ensino das Escrituras, tendo adquirido um profundo conhecimento das línguas originais da Bíblia, especialmente o grego clássico do Novo Testamento.
Em 1909 foi convidado a participar do trabalho de suporte das missões da Echoes of Service, em Bath, que passou a ser o centro da sua atividade durante o resto da sua vida, além do seu ministério escrito através de livros e artigos espirituais. Ele declarou: “Na mente de Deus o grande objetivo final da atividade missionária é o plantio de igrejas… O Chefe da Igreja, que deu Suas instruções aos Seus Apóstolos… registradas para nós nas Escrituras, deu nelas um corpo de verdade e princípios adaptados para todas as idades, gerações e condições. O padrão está completo, e apresenta a sabedoria divina em todas as partes. A manipulação humana só a tem prejudicado em seu funcionamento… cabe a todos os que professam a fé cristã respeitar as intenções da Cabeça da Igreja claramente reveladas, em vez de sobrecarregá-la com as doutrinas e normas de fabricação humana”.
O Senhor o levou quando lia as Escrituras em hebraico em sua cama, após um dia de trabalho intenso em Sua obra. Entre suas muitas obras destacamos “An Expository Dictionary of New Testament Words: A Comprehensive Dictionary of the Original Greek Words with their Precise Meanings for English Readers” (1940), considerado até agora um dos melhores e mais completos dicionários da língua original grega, em inglês.
Nota: Este artigo foi publicado pela primeira vez em uma série de volumes intitulada “Para Que o Mundo Possa Saber”, por “Echoes of Service”, em 1986. Os volumes são um registro do trabalho e do legado de missionários das igrejas locais ao redor do mundo. Usado com permissão.
Texto traduzido e transcrito por Richard David Jones | ©Copyright 1994-2018, “Boletim dos Obreiros” | Todos os direitos reservados.