Desde o Seu batismo até a crucificação, Jesus Cristo fez muitas curas no meio das multidões que O rodeavam; e o apóstolo Pedro resume essa vida maravilhosa dizendo: “Jesus andou fazendo o bem e curando a todos os oprimidos do diabo, porque Deus era com Ele” (Atos 10:38). Depois da ascensão de Jesus, os apóstolos e outros discípulos fizeram em Seu nome semelhantes curas e maravilhas. Pedro e Paulo curaram doentes e ressuscitaram mortos (At 3:7; 9:34, 40; 19:11-12; 20:10; 28:8-9), Estêvão fez “prodígios e grandes sinais” em Jerusalém, e Filipe, o evangelista, fez “sinais” e curas em Samaria. Entre os dons espirituais dados à Igreja vemos “os dons de curar” (I Cor 12:9-10), porém estes dons não foram dados a todo crente (29-30), e nunca aos incrédulos.
As curas feitas por Jesus Cristo, relatadas nos Evangelhos, eram “sinais” dados ao povo judaico para que O recebesse como o Messias, o Salvador divino que Deus lhes prometera no Velho Testamento (Jo 12:37); e os milagres contados no Livro dos Atos, depois da ascensão de Jesus, eram também “sinais” para convencer o povo da Sua ressurreição e exaltação para ser o Salvador do mundo (Mc 16:17-18; At 3:15-16; 4:15-16; 4:10-12; Hb 2:3-4).
É interessante notar que poucos cristãos foram curados milagrosamente, conforme lemos nos Atos. No capítulo 9 Dorcas foi ressuscitada por Pedro, e Enéias foi curado da paralisia (esta cura foi tão excepcional que se tornou o meio da conversão de duas cidades). Podemos também entender que Êutico, ressuscitado por Paulo (Atos 20:10), era discípulo. Além destes três, não há mais exemplos de crentes curados milagrosamente. Porém, lemos de cristãos doentes – Timóteo, Epafrodito, Trófimo – mas Paulo, que tinha o dom de curar, não o exerceu para restaurar aqueles três servos de Deus; pelo contrário, ele recomendou a Timóteo que usasse um pouco de vinho por causa do seu estômago e das suas frequentes enfermidades (I Tm 5:23); diz que deixou a Trófimo doente em Mileto (2 Timóteo 4:20), e não há nada para indicar que Epafrodito, “doente quase à morte”, fosse curado milagrosamente (Fp 2:27).
Outro ponto interessante é que Cristo e os discípulos curavam todas as enfermidades, sem exceção alguma. Nenhum doente ficou decepcionado, nenhuma doença foi difícil demais para ser curada. Lepra, paralisia, epilepsia, cegueira, atrofia, hemorragia – doenças orgânicas, hereditárias, crônicas – curavam-nas todas. “Ele curou todas as enfermidades e moléstias entre o povo” (Mt 9:35): “ao pôr do sol, todos os que tinham enfermos de várias doenças lhos traziam; e, pondo as mãos sobre cada um deles, os curava” (Lucas 4:40); e “vieram ter com Paulo os demais que na ilha tinham enfermidades, e sararam” (At 28:9).
As curas divinas eram todas instantâneas e perfeitas. Jesus Cristo não curava parcial nem demoradamente. Os doentes não voltavam para casa sentindo-se “um pouco melhor”, mas – “logo o homem ficou são” (Jo 5:9); “ela, levantando-se imediatamente, os serviu” (Lc 4:39); etc. Jesus falava a palavra, às vezes punha a mão sobre os doentes, e imediatamente eram curados, perfeitamente e permanentemente. Mesmo a demora em Jo 9:6-7 seria de poucos minutos. Vemos as mesmas características nas curas feitas pelos discípulos no Livro dos Atos.
Nem o Senhor Jesus nem os apóstolos exigiam a fé da parte dos que vinham para ser curados. É verdade que louvavam e animavam a fé naqueles que a tinham, porém não a consideravam como condição essencial à cura. Jesus curou “grandes multidões” tanto na Galiléia como nos confins da Judéia além do Jordão (Mt 12:15; 19:2), e não se pode supor que cada pessoa em tais multidões tivesse fé. Onde estaria a fé do endemoninhado em Mateus 12:22, ou do paralítico em João 5:5-8, ou do coxo em Atos 3:5-7? Não era a fé, mas sim a necessidade, que motivava as curas de Jesus e dos apóstolos “Ele sarava os que necessitavam de cura” (Lc 9:11). Muitos foram curados sem pedirem nem esperarem a cura!
Todavia, a fé era essencial àqueles que faziam as curas. Em Mateus 17:16 os apóstolos não puderam expulsar o demônio, por causa da “pouca fé” deles, e sua falta de oração e jejum (20-21). Os “dons espirituais” foram dados unicamente aos crentes, conforme a vontade do Espírito Santo, e “os melhores dons” tinham que ser “procurados com zelo” (I Cor 12:11, 28-31).
Com respeito à cura divina, muitas vezes se cita Tiago 5:14-16; porém este trecho não diz que a cura será milagrosa. A “oração da fé” (15) é da parte dos presbíteros, e o Senhor levantará o doente, perdoando-lhe os seus pecados se a doença foi causada por eles. A unção (14) pode indicar remédios, e não uma mera cerimônia, porém isso é duvidoso.
Assim vemos que Deus cura por vários métodos. Ele pode curar milagrosamente, por meio de crentes que têm um dom de curar; ou pode curar diretamente, sem curador nem remédios, em resposta às orações do doente ou de outros. Também Ele pode curar por meio de remédios – o Seu modo mais comum em todos os tempos; não é pecado nem falta de fé usar remédios (Is 38:21; Lc 10:34; I Tm 5:23; Cl 4:14). Entretanto, acontece muitas vezes que, apesar de oração, fé e santidade da parte do doente (e dos seus irmãos), não apraz a Deus curá-lo. O cristão não tem direito de reclamar a perfeita saúde (como alguns ensinam) nem de ser curado, e a doença não é necessariamente o fruto do seu pecado.
Ora, há muitos pregadores hoje em dia que pretendem fazer as mesmas curas divinas e apostólicas que vemos na Bíblia; atraem muitos doentes desejosos de serem curados “como Jesus curava”; e alguns ficam, de fato, curados. Mas, será que os tais curadores fazem realmente “curas divinas” (no sentido de serem milagrosas, além do poder dos remédios humanos)? “Examinemos tudo, retendo o bem” (I Ts 5:21). Não devíamos condenar o que não entendemos, nem tão pouco aceitar tudo o que se faz em nome do Senhor.
Curas e milagres são feitos hoje por espíritas, budistas, padres e “santos” católicos também par adeptos da assim-chamada “ciência cristã”, e por pregadores de diversas seitas evangélicas. Parece claro que as curas feitas por religiões anticristãs (espiritismo, budismo, catolicismo, “ciência cristã) não podem ser de origem divina; a autossugestão, provocada no doente pela sua “fé” em qualquer pessoa ou objeto, conforme a religião do “curador”, explica a maior parte de tais curas. Há neurologistas que fazem semelhantes curas – porém não as ligam com a religião. Se, no ambiente daquelas religiões anticristãs, há curas realmente milagrosas, não devidas à autossugestão, a sua origem não pode ser divina.
Qual deve ser a atitude do cristão para com as “curas divinas” feitas por pregadores evangélicos? A maior parte destes – mas não todos – pertencem a vários ramos do “pentecostalismo”, e não se pode duvidar que muitos deles são verdadeiros crentes em Cristo. As suas curas podem ser avaliadas comparando-as com aquelas de Jesus e dos apóstolos. Curam a todos que pedem? Curam toda espécie de doença, funcional ou orgânica? Curam sem exigir a fé da parte do doente? As curas são instantâneas, perfeitas e permanentes?… Creio que a resposta a todas estas perguntas tem que ser “não”; seria melhor, então, se deixassem de afirmar que “curam como Jesus e os apóstolos curavam”, pois não é verdade.
Há outros, todavia, que com maior modéstia dizem que têm “o dom de curar”, semelhante ao que foi dado pelo Espírito às igrejas primitivas. A Bíblia fala em “dons – não dom – de curar”, indicando uma variedade de manifestações dessa graça, e não podemos negar que através dos séculos houve crentes, em muitos lugares e pertencendo a diversas seitas, que tinham o poder de curar doentes, na falta de médicos ou remédios. “O Espírito reparte a cada um como quer”- e o cristão que recebe este (ou qualquer outro) dom, vai praticá-lo onde há necessidade, com modéstia, sem barulho e sem o intuito de atrair adeptos para a congregação a que ele pertence.
Não sejamos fanáticos, nem crédulos, nem seguidores de toda maravilha. Se um “curador divino”, conhecido como cristão verdadeiro, pode realmente nos curar, deixemo-lo curar-nos (os remédios são bem caros hoje em dia!), mas não abandonemos a nossa congregação por causa dele.
Richard D. Jones – Publicado no periódico “A Senda do Cristão” Nº 2, abril a junho de 1961.