A Cruz de Cristo
E, à hora nona, Jesus exclamou com grande voz, dizendo: Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? (Marcos 15:34).
Um de meus maiores pesos é que raramente a cruz de Cristo é explicada. Não é suficiente dizer “Ele morreu” – já que todos os homens morrem. Não é suficiente dizer “Ele morreu nobremente” – já que os mártires fazem o mesmo. Temos que entender que não temos proclamado em sua plenitude a morte de Cristo com poder salvífico até que tenhamos aclarado a confusão que a rodeia e expor seu verdadeiro significado a nossos corações. Ele morreu levando as transgressões de Seu povo sofrendo o castigo divino pelos seus pecados: Ele foi abandonado por Deus e moído debaixo da ira Dele em seu lugar.
I. Desamparado por Deus. Uma das passagens mais inquietantes, e até mesmo que dão calafrios, é o relato nas Escrituras de Marcos sobre a exclamação do Messias ao estar na Cruz romana. Ele exclamou: “Eloí, Eloí, lamá sabactâni? que, traduzido, é: Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste?” (Marcos 15:34) .
À luz do que sabemos sobre a natureza impecável do Filho de Deus e sua perfeita comunhão com o Pai, é difícil entender as palavras de Cristo, porem ainda assim nelas encontramos o significado da Cruz expostas, e encontramos a razão pela qual Cristo morreu. O fato de que Suas palavras estejam também documentadas em hebreu nos diz algo de grande importância para elas. O autor não queria que mal entendêssemos e que não nos escapasse nem uma só coisa!
Nessas palavras, Jesus não só está chamando ao Pai, mas como mestre jubilado, Ele também está dirigindo a seus espectadores, e todos os futuros leitores, a uma das mais importantes profecias messiânicas do Antigo Testamento – o Salmo 22. Ainda que todo o Salmo esteja cheio de profecias detalhadas da Cruz, nos contentaremos somente com seus primeiros seis versículos:
“Deus meu, Deus meu, por que me desamparaste? Por que te alongas do meu auxílio e das palavras do meu bramido? Deus meu, eu clamo de dia, e tu não me ouves; de noite, e não tenho sossego. Porém tu és santo, tu que habitas entre os louvores de Israel. Em ti confiaram nossos pais; confiaram, e tu os livraste. A ti clamaram e escaparam; em ti confiaram, e não foram confundidos. Mas eu sou verme, e não homem, opróbrio dos homens e desprezado do povo” (Salmo 22:1-6).
Nos dias de Cristo as Escrituras judaicas não estavam organizadas em capítulos e versículos como as temos hoje. Assim, quando um rabino queria dirigir seus ouvintes a certo Salmo especifico ou tal porção das Escrituras, o fazia recitando as primeiras linhas do texto. Nessa exclamação desde a cruz, Jesus nos dirige ao Salmo 22 e nos revela algo do caráter e propósito de Seu sofrimento.
Nos primeiros dois versículos, escutamos a queixa do Messias: Ele se considera abandonado por Deus. Marcos utiliza a palavra grega egkataleípo, a qual significa desamparado, abandonado, ou desertado. O salmista utiliza a palavra hebréia azab, a qual significa deixar, perder ou desampara. Em ambos os casos, a intenção é clara. O próprio Messias é consciente de que Deus o há desamparado e se pôs de ouvidos surdos a Seu pranto. Esse desamparo não é simbólico nem poético. É real! Se alguma vez alguma criatura sentiu-se desamparada por Deus, essa certamente foi o Filho de Deus na cruz do Calvário!
No quarto e quinto versículo do Salmo, a angústia sofrida pelo Messias se volta mais aguda ao recordar a fidelidade do pacto de Deus para com seu povo. Ele declara: “Em ti confiaram nossos pais; confiaram, e tu os livraste. A ti clamaram e escaparam; em ti confiaram, e não foram confundidos”. A aparente contradição é clara. Nunca houve um só momento na história em que o povo pactual de Deus houvesse visto um homem justo clamando a Deus sem ser resgatado. No entanto, o Messias sem mancha dependura-se do madeiro completamente desamparado. Qual poderia ser a razão pelo desamparo de Deus: Por que virou as costas a Seu Filho unigênito?
Entrelaçadas no pranto do Messias se encontram as respostas a essas inquietantes perguntas. No terceiro versículo, Ele faz a inquebrantável declaração de que Deus é Santo, e logo, no sexto versículo, Ele admite a atrocidade – Ele tinha-se convertido em um verme, e já não era homem. Por que o Messias utilizaria tal linguagem pejorativa consigo mesmo? Acaso se enxergava a si mesmo como um verme porque tinha convertido-se o “opróbrio dos homens e desprezado do povo”, ou tinha uma razão mais espantosa para Sua auto-depreciação? Depois de tudo não clamou, “Deus meu, Deus meu, por que me há desamparado o povo?” Mas sim se esforçou em saber por que Deus o tinha feito! A resposta pode ser encontrada em somente uma amarga verdade: o Senhor tinha feito que toda nossa iniquidade caíra sobre Ele, e como um verme, Ele foi desamparado e moído em nosso lugar.
Essa metáfora sombria do Messias agonizante não está somente nessas Escrituras. Existem outras que nos levam mais fundo ao coração da Cruz e abre-nos que “Ele padeça muito” em ordem de obter a redenção de seu povo. Se tememos diante das palavras do Salmista, seremos levados a ouvir aos três vezes Santo Filho de Deus converter-se na serpente levantada do deserto, e depois, no cordeiro expiatório que carregava o pecado e que era deixada a ir morrer sozinho no deserto.
A primeira metáfora se encontra em Números. Pela constante rebelião de Israel para Deus e seu rechaço de Sua provisão misericordiosa, o Senhor enviou “serpentes ardente” entre o povo e muitos morreram. No entanto, como resultado do arrependimento do povo e da intercessão de Moises, Deus mais uma vez deu provisão para sua salvação. Ele ordenou a Moisés: “Faze-te uma serpente ardente, e põe-na sobre uma haste; e será que viverá todo o que, tendo sido picado, olhar para ela” (Números 21:8).
A princípio parece contraditória a lógica que “a cura tivesse a semelhança daquele que havia ferido”. No entanto, dá uma poderosa imagem da cruz. Os israelitas estavam morrendo do veneno das serpentes ardentes. O homem morre do veneno de seu próprio pecado. A Moisés lhe havia sido ordenado colocar a causa da morte no alto em uma haste. Deus colocou a causa de nossa morte sobre Seu próprio Filho ao levantá-lo alto sobre a cruz. Ele tinha vindo “semelhança da carne do pecado” (Romanos 8:3), e foi feito “pecado por nós” (2 Coríntios 5:21). Os israelitas que cressem a Deus e olhassem para a serpente de bronze viveriam. O home que crê no testemunho de Deus segundo Seu Filho e lhe vê em fé, será salvo. Como está escrito, “olhai para mim, e sereis salvos, vós, todos os termos da terra; porque eu sou Deus, e não há outro” (Isaías 45:22).
A segunda metáfora encontra-se no livro sacerdotal de Levítico. Como era impossível que um só sacrifício ilustrasse o simbolizasse completamente a morte expiatória do Messias, um sacrifício envolvendo dois cordeiros foi posto diante do povo. O primeiro cordeiro foi imolado como oferenda expiatória perante o Senhor, e seu sangue foi aspergido na frente do propiciatório da parte de trás do véu do santo do santos. Isso simbolizava a Cristo quem derramou Seu sangue na cruz para expiar pelos pecados de Seu povo. O segundo cordeiro era apresentado diante do Senhor como cordeiro expiatório. O Sumo sacerdote “porá ambas as suas mãos sobre a cabeça do bode vivo, e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, e todas as suas transgressões, e todos os seus pecados” (Levítico 16:21). O cordeiro então era enviado ao deserto levando a iniquidade do povo a um lugar erro. Ali vagava sozinho, desamparado de Deus e cortado do meio do povo. Simbolizava a Cristo quem “Levando ele mesmo em seu corpo os nossos pecados sobre o madeiro” (1 Pedro 2:24) sofreu e morreu sozinho “fora do arraial”. O que era simbólico na Lei voltou-se em uma realidade insuportável para o Messias.
Não é assombroso que um verme, uma serpente venenosa, e um cordeiro sejam postos como tipos de Cristo? Identificar ao Filho de Deus com coisas “aborrecíveis” seria blasfemo se não viesses dos santos do Antigo Testamento “inspirados pelo Espírito Santo” (2 Pedro 1:21) e confirmadas pelos autores do Novo Testamento que vão mais alem nas sombrias descrições. Debaixo da inspiração do Espírito Santo eles são o suficientemente audazes para dizer que aquele que não teve pecado “o fez pecado,” e Ele que foi amado do Pai foi “feito maldição” diante Dele. Temos escutado essas verdades antes, porem, as consideramos o suficiente para sermos quebrantados?
Na cruz, Ele que é declarado “santo, santo, santo” pelo coro dos serafins, se “fez” pecado. A viagem ao significado dessa frase quase parece muito perigosa. Tropeçamos diante do primeiro passo. O que significa que Aquele em quem “nele habita corporalmente toda a plenitude da divindade” (Colossenses 2:9), se “fez pecado”? Não devemos explicar ligeiramente a verdade tratando de proteger a reputação do Filho de Deus e ainda, devemos ter cuidado de não falar coisas terríveis contra seu caráter impecável e imutável.
Segundo as Escrituras Cristo se “fez pecado” na mesma forma em que os pecadores se “convertem na justiça de Deus” Nele. Na sua segunda epistolo à igreja de Coríntio o apóstolo Paulo escreve: “Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). O crente não é “justiça de Deus” por alguma obra purificadora ou aperfeiçoadora segundo seu caráter que o faça como Deus e sem pecado, mas como resultado da imputação pela qual ele é considerado justo ante Deus pela obra de Cristo para ele. Da mesma maneira Cristo não se fez pecado por ter um caráter manchado ou sujo, mas atualmente convertendo- se depravado, mas como resultado da imputação pelo que foi considerado culpável perante o juízo de Deus para nós. Essa verdade não deve causar que pensemos menos da declaração de Paulo que Cristo se “fez pecado” Ainda que foi uma culpa imputada, foi uma culpa real, trazendo uma inquietante culpa para Sua alma. Ele tomou nossas culpas como suas, esteve em nosso lugar, e morreu desamparado de Deus.
Que Cristo se fez pecado é uma verdade terrível como incompreensível, e ainda justamente quando pensamos que não se pode dizer palavras ais escuras contra Ele, o apóstolo Paulo acende uma lâmpada e nos leva ao fundo da humilhação e desamparo de Cristo. Entramos na caverna mais profunda para encontrar ao Filho de Deus pendurado na cruz e levando seu título mais infame – o maldito de Deus!
As Escrituras declaram que toda a humanidade está sob maldição. Como está escrito, “Maldito todo aquele que não permanecer em todas as coisas que estão escritas no livro da lei, para fazê-las” (Gálatas 3:10). Desde a perspectiva celestial, aqueles que quebrantam a Lei de Deus são vis e dignos de aborrecimento. São miseráveis, justamente expostos à vergonha divina, e justamente devotos à destruição eterna. Não é um exagero falar que a última coisa o pecador maldito deveria e ouvirá quando ele dê o primeiro passo no inferno é a toda a criação se pondo de pé e aplaudindo a Deus por ter desterrado dele da face da terra. Tal é a vileza daqueles que quebram a Lei de Deus, e tal é o desdém do santo para com o ímpio. E ainda assim o Evangelho nos ensina que “Cristo nos resgatou da maldição da lei, fazendo-se maldição por nós; porque está escrito: Maldito todo aquele que for pendurado no madeiro” (Gálatas 3:30). Cristo converteu-se no que nós éramos em tempo afim de nos redimir do que merecíamos. Ele converteu-se em um verme e não homem, a serpente alçada no deserto, o cordeiro enviado fora do acampamento, o carregador de pecados, e Aquele sobre o qual a maldição de Deus caiu. É por essa razão que o Pai o rejeitou e todo o céu escondeu seu rosto.
É uma grande volta que o verdadeiro significado da “exclamação da cruz” de Cristo frequentemente tenha se perdido em um clichê romântico. Não é raro ouvir a um pregador declarar que o Pai rejeitou ao Filho porque não podia suportar o sofrimento infligido Nele pelas mãos de homens malvados. Tais interpretações são uma completa distorção do texto e do que atualmente transpirou na cruz. O Pai rejeitou a Seu Filho não porque lhe tenha faltado força para testemunhar seu sofrimento, mas sim porque “Aquele que não conheceu pecado, o fez pecado por nós; para que nele fôssemos feitos justiça de Deus” (2 Coríntios 5:21). Ele colocou nossos pecados sobre Ele e lhe rechaçou porque Seus olhos são demasiadamente puros para aprovar a maldade e não pode ver a maldade com favor.
Não é sem razão que muitos folhetos bíblicos ilustram um abismo entre um Deus santo e o homem pecador. Com tal ilustração as Escrituras estão completamente de acordo. Como o profeta Isaías clamou: “Eis que a mão do SENHOR não está encolhida, para que não possa salvar; nem agravado o seu ouvido, para não poder ouvir. Mas as vossas iniquidades fazem separação entre vós e o vosso Deus; e os vossos pecados encobrem o seu rosto de vós, para que não vos ouça” (Isaías 59:1-2). É por isso que todos os homens teriam vivido e morrido separados da favorável presença de Deus e debaixo da ira divina se o Filho de Deus não houvesse estado em seu lugar, levando o pecado, e morto “desamparado de Deus” por eles. Para fechar a brecha e restaurar a comunhão, “não convinha que o Cristo padecesse estas coisas?” (Lucas 24:26).
II. Cristo morre sob a ira de Deus. Para obter a salvação de Seu povo, Cristo não somente sofreu o terrível desamparo de Deus, mas Ele tomou a amarga copa da ira de Deus e morreu uma morte sangrenta em lugar de Sua gente. Só então a justiça divina podia ser satisfeita, apaziguar a ira de Deus, e fazer possível a reconciliação.
No jardim, Cristo orou três vezes para que “o cálice” fora removido Dele, mas cada vez Sua vontade entregava-se a vontade do Pai. Devemos nos perguntar: o que esse cálice continha que fizesse com que Ele rogasse fervorosamente? O que continha que causara tal angústia que Seu suor se mesclasse com sangue? Frequentemente é dito que a copa representava a cruel Cruz romana e a tortura física que lhe esperava – que Cristo previu o gato de nove caldas vindo por detrás de suas costas, as coroas de espinhas penetrando sua fronte, e os cravos primitivos que seriam atravessados em Suas mãos e Seus pés. Ainda aqueles que enxergam essas coisas como a fonte de Suas angústias não entendem a Cruz, nem o que ocorreu lá. Ainda que as torturas o cobrissem, pelas mãos humanas, era o plano redentor de Deus, havia algo muito mais sinistro que evocou o clamor de liberação do Messias.
Nos primeiros séculos da igreja primitiva, milhares de cristão morreram em cruzes. É dito que Nero os crucificou ao contrário, os cobriu de alcatrão, e lhes atou fogo para usar como luzeiros nas cidades de Roma. Através das épocas desde então, um sem número de cristão foram levados às mais inquietantes torturas e anda é o testemunho de amigos e inimigos o mesmo que muitos deles foram para a morte com grande sagacidade. Temos de crer que os seguidores do Messias enfrentaram tal morte cruel com gozo indizível, enquanto que ao Capitão de sua Salvação se acovardou no jardim, fingindo a mesma tortura? Acaso o Cristo de Deus temeu ao látego e espinhas, cruzes e lanças, ou será que o cálice representou o infinito terror que vai mais alem que a crueldade humana?
Para entender o conteúdo sinistro desse cálice, devemos nos dirigir ás Escrituras; Existem duas passagens em particular que devemos considerar – uma no salmo “Porque na mão do SENHOR há um cálice cujo vinho é tinto; está cheio de mistura; e dá a beber dele; mas as escórias dele todos os ímpios da terra as sorverão e beberão” (Salmos 75:8) e a outra em Jeremias: “Porque assim me disse o SENHOR Deus de Israel: Toma da minha mão este copo do vinho do furor, e darás a beber dele a todas as nações, às quais eu te enviarei. Para que bebam e tremam, e enlouqueçam, por causa da espada, que eu enviarei entre eles” (Jeremias 25:15-16).
Como resultado da incessante rebeldia dos ímpios, a justiça de Deus havia decretado um juízo contra eles. Justamente derramaria sua indignação sobre as nações; Ele colocaria o vinho de Sua ira em suas bocas e forçaria-lhes a tomar até sua borra. O simples pensamento de que tal destino espera ao mundo é absolutamente terrível, e ainda assim esse teria sido o destino de todos, exceto que a misericórdia de Deus buscou a salvação das pessoas, e a sabedoria de Deus elaborou um plano de redenção ainda desde antes da fundação do mundo. O Filho de Deus se faria homem e caminharia nessa terra em perfeita obediência à Lei de Deus. Ele seria como nós em todos os sentidos, e tentado em todas as maneiras como nós, mas sem pecado. Ele viveria uma vida perfeitamente justa para glória de Deis e em lugar de Seu povo. No tempo designado, Ele seria crucificado em mãos de homens ímpios, e nessa cruz, Ele levaria a culpa de Seu povo, e sofreria a ira de Deus contra eles. O perfeito Filho de Deus e verdadeiro Filho de Adão juntos em uma gloriosa pessoa tomaria a amarga copa da mão de Deus e a tomaria até a borra. Ele a tomaria até que fora “consumada”, e a justiça de Deus fora completamente satisfeita. A ira divina que devia ter sido nossa seria exaurida sobre o Filho, e seria extinta por Ele.
Imagine uma represa que está cheia até o topo e pressionada contra o peso detrás dela. De uma vez o muro protetor é removido e o poder destrutivo é liberado. Como a certeira destruição corre até o povo no vale próximo, de repente a terra se abre diante do povo e traga aquilo que haveria arrasado. Da mesma forma, o juízo de Deus corria diretamente ao homem. Não se podia achar escape na montanha mais alta nem, no abismo mais profundo. Os pés mais velozes não poderia ter escapado, nem o melhor nadador suportar seus tormentos. A represa foi rachada e nada poderia conserta seu dano. Porem, quando toda esperança humana foi esgotada, no tempo oportuno, o Filho de Deus se interpôs. Ele se postou entre a justiça divina e Sua gente. Ele tomou a ira que eles mesmo tinham provocado e o castigo que eles mereciam. Quando Ele morreu nem uma gota do dilúvio restou. Ele a tomou toda!
Imaginem duas pedras de moinho, uma girando acima da outra. Imaginem que entre as pedras existe um grão de trigo que é esmagado pelo grande peso. Primeiro, é moído até ser irreconhecível, e depois suas partes internas são espalhadas e moídas ao pó. Não há esperança de removê-lo ou reconstruí-lo. Tudo se perdeu e está irreparável. De igual maneira, “ao SENHOR agradou moê-lo” (Isaías 53:10), a Seu próprio Filho, e colocá-lo em indescritível angústia. Portanto agradou ao Filho submeter-se a tal sofrimento a fim que Deus fora glorificado e um povo fora redimido. Não é que Deus se tenha agradado ou encontrado prazer no sofrimento de Seu amado Filho, mas por sua morte, a vontade de Deus se cumpriu. Nenhum outro meio tinha poder de remover o pecado, satisfazer a justiça, e apaziguar a ira de Deus contrária a nós. A menos que esse grão de trigo houvesse caído e morto, haveria permanecido sozinha sem um povo ou uma esposa. O prazer não esteve no sofrimento, mas em tudo o que o sofrimento conseguiria: Deus seria revelado em uma glória ainda desconhecida aos homens e anjos, e o povo seria trago uma relação sem obstáculo com Deus.
Em uma das histórias mais épicas do Antigo Testamento, é ordenado ao patriarca Abraão que levasse a seu filho Isaque ao monte Moriá e ali o oferecesse como sacrifício a Deus. “Toma agora o teu filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas, e vai-te à terra de Moriá, e oferece-o ali em holocausto sobre uma das montanhas, que eu te direi” (Gênesis 22:2). Que carga que foi posta sobre Abraão! Não podemos nem imaginar a tristeza que encheu o coração do homem ancião e a tortura que cada passo da viagem trouxe. As Escrituras são cuidadosas em nos contra que ele foi ordenado a oferecer a seu “filho, o teu único filho, Isaque, a quem amas”. A especificação parece planejada para chamar nossa atenção e nos fazer pensar que há um significado mai oculto nessas palavras das que podemos enxergar.
No terceiro dia os dois chegaram ao lugar indicado, e o pai mesmo atou a seu amado filho com suas próprias mãos. Finalmente, em submissão ao que deveria fazer, pôs sua mão sobre seu filho, “e tomou o cutelo para imolar o seu filho”. Nesse momento, a misericórdia e graça de Deus se interpuseram, e a mão do ancião foi detida. Deus o chamou desde o céu e disse: “Não estendas a tua mão sobre o moço, e não lhe faças nada; porquanto agora sei que temes a Deus, e não me negaste o teu filho, o teu único filho” (Gênesis 22:12). À voz do Senhor, Abraão levantou os olhos e viu a um carneiro enroscado pelos chifres. Tomou o carneiro e o ofereceu em lugar de seu filho. E logo nomeou o lugar de YHWE-Jireh, ou “O SENHOR PROVERA”. É um dito fiel que permanece até o dia de hoje, “No monte do SENHOR se proverá” (verso 14) Ao vir o encerramento da cortina desse momento épico na história, não somente Abraão, mas também todos os que leram esse acontecimento dão um suspiro de alívio que o jovem se salvou. Pensamos “que lindo fim”, mas não é o fim, era simplesmente um entremeio.
Dois mil anos mais tarde, as cortinas voltam a se abrir. O fundo é escuro e sinistro. No centro do cenário está o Filho de Deus no Monte Caveira. Ele está atado pela obediência da vontade de seu Pai. Ele pende levando o pecado de
Seu povo. Ele é maldito – traído por sua criação e desamparado de Deus. Então, o silêncio é rasgado com o horrível estrondo da ira de Deus. O pai toma o cutelo, levanta o braço, e sacrifica a seu “teu filho, único filho, a quem amas,” e as palavras do profeta Isaías são cumpridas:
“Verdadeiramente ele tomou sobre si as nossas enfermidades, e as nossas dores levou sobre si; e nós o reputávamos por aflito, ferido de Deus, e oprimido. Mas ele foi ferido por causa das nossas transgressões, e moído por causa das nossas iniquidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados… Todavia, ao SENHOR agradou moê-lo, fazendo-o enfermar; quando a sua alma se puser por expiação do pecado, verá a sua posteridade, prolongará os seus dias; e o bom prazer do SENHOR prosperará na sua mão” (Isaías 53:4-5, 10).
A cortina se fecha com um Filho sacrificado e um Messias crucificado. Diferente de Isaque, não havia carneiro que morresse em Seu lugar. Ele era o cordeiro quem morreria pelos pecados do mundo. Ele é a provisão de Deus para a redenção de Seu povo. Ele é o cumprimento de quem o carneiro de Isaque era só uma sombra. Nele o monte do Calvário é renomeado YHWE-Jireh, ou “O SENHOR PROVERA . É um palavra fiel até o dia de hoje. “No monte do Senhor se proverá”. O Calvário era o monte e a salvação foi providenciada. Assim, o crente discernente clama “Deus, Deus, sei que me ama já que não recusou-me a seu filho, seu único filho”.
É uma injustiça ao Calvário que a verdadeira dor da cruz frequentemente é passada por alto por um tema romântico e menos poderoso. Frequente é pregado que o Pai olhou desde o céu e testemunhou o sofrimento que era acumulado sobre Seu Filho por mãos humanas, e que Ele contou tal aflição como pagamento pelos nossos pecados. Isso é heresia da pior classe. Cristo satisfez a justiça divina não somente suportando a aflição dos homens, mas suportando e morrendo sob a ira de Deus. Isso toma mais que cruzes, coroas, cravos e lanças, para pagar pelo pecado. O crente é salvo não só porque pelo que fizeram os homens a Cristo na cruz, mas pelo que Deus fez a Ele – Ele o moeu sob toda a força de Sua ira contra nós. Raramente essa verdade se faz suficientemente clara em nossa pregação do Evangelho!
Paul David Washer, “Pregando Cristo Crucificado”. Traduzido do espanhol “La Cruz de Cristo” – “HeartCry Missionary Society“.