As cartas escritas por João o evangelista, ou o presbítero, que entendemos ser o apóstolo João, filho de Zebedeu, tratam entre outras coisas da comunhão com Deus e do amor e da comunhão entre os crentes. A primeira carta é dirigida de uma maneira geral aos crentes em Cristo, e é uma continuação natural do seu Evangelho, onde ele dá seu testemunho pessoal e as provas da divindade do Senhor Jesus. Essa carta define quem são os verdadeiros filhos de Deus, e esclarece a situação deles frente ao pecado e aos ensinadores de falsa doutrina, para que compreendam o alcance da sua comunhão com Deus e entre si. A comunhão no sentido de ter algo em comum, participar de uma sociedade ou de um relacionamento mútuo, é descrita da seguinte forma nas Escrituras:
Com Deus:
Consiste no conhecimento da Sua vontade (Jó 22.21; Jo 17.3);
a) em estar de acordo com os Seus desígnios (Am 3.2);
b) em permanecer em Cristo (Jo 15.4-7);
c) em estar no Espírito ( Rm 8.9);
d) na existência de afeição mútua (Rm 8:38- 39);
e) no gozo da Sua presença (Sl 4:6);
f) na conformidade com a Sua imagem (1 Jo 1.6; 2:6); g) e na participação com a Sua alegria e a Sua plenitude (1 Jo 1.3- 4; Ef 3-14-21).
Dos santos uns com os outros:
a) em deveres (Rm 12.5-8; 1 Cor12; 1 Ts 5.12-22; Rm 10.24; Hb 13.16);
b) em ordenanças e adoração (Sl 55.14; 119.63; Mt 18.20; At 2.46; Hb 10.25);
c) em graça, amor, alegria, etc. (Ml 3.16; Rm 12.15; 2 Cor8.4);
d) em interesses mútuos, espirituais e temporais (Rm 12.13; Hb 13.16);
e) em disposição mental e em parecer (1 Cor 1.10);
f) em sofrimentos e apoio aos fracos (Rm 12.15; 15.1-2; Gl 6:1-2,10; 1 Ts 5.11);
g) e na glória (Ap 4.10-11).
Deus é luz, e isto significa que Deus é santo, que ele é a perfeição da bondade, do poder, do conhecimento, da sabedoria, e isso também nos lembra a Sua glória, resplendor, beleza, pureza e maravilhas. A luz revela-se a si própria, pode ser vista, ela se difunde, ela ilumina a escuridão e revela o que se encontra ali. Deus, como luz, revela nossos defeitos e iniquidade, e expõe nosso pecado. Deus também é amor e é vida.
A escuridão espiritual, a maldade caótica deste mundo originada do pecado, não só é caracterizada pela ausência de luz, mas é hostil à luz e à santidade de Deus (Rm 8.7). O mundo, neste sentido, é o sistema organizado debaixo do controle do diabo, que não só deixa Deus e Cristo de fora, mas age ativamente para evitar que o verdadeiro Evangelho de Cristo se espalhe.
Nessa escuridão, enganosamente se difunde a ideia de que, para que o homem pecador tenha comunhão com um Deus santo, é necessário, ou baixar Deus para o seu nível, ou elevar o homem ao nível de Deus. Nenhuma destas coisas pode ser feita, mas assim mesmo os homens querem se convencer que são possíveis: no primeiro caso, argumentam que, como a humanidade é criação de Deus, Ele ama a todos, com pecado e tudo; no segundo caso, adotam uma teoria enganosa segundo a qual eles podem se tornar santos mediante boas obras e “sacramentos sagrados”. Em ambos os casos, eles continuam a andar na escuridão, e mentem se dizem que têm comunhão com Deus.
Estamos vivendo em uma época em que os padrões morais estão baixando drasticamente, tendo até sido abandonados completamente em muitas regiões. Muitos, intitulando-se e desejando ser reconhecidos como “cristãos”, usam de vários argumentos para explicar e justificar o seu pecado, mas não podem baixar Deus ao seu nível. Deus não pode ter comunhão com eles, e estão apenas enganando-se a si próprios ou usando um estratagema psicológico para apresentar uma fachada boa. Existem hipócritas na igreja hoje, como sempre houve no passado. Eles declaram “estou em comunhão com Deus”, mas continuam a viver na escuridão. A Bíblia diz que estão mentindo.
Na primeira carta de João aprendemos que a única maneira de termos comunhão com Deus é:
Da parte de Cristo, sua obra de reconciliação (1.7; 2.2; 3.5; 4.10,14; 5.11-12) e sua mediação (2.1), abrindo assim o único caminho possível para que o homem venha a ter comunhão com o Pai e com Ele próprio, mediante a fé n’Ele.
Da parte do homem, santidade (1.6), obediência (2.3), pureza (3.3), fé (3.23; 4.3; 5.5), e amor (2.7-8; 3.14; 4.7; 5.1).
Somente o sangue de Jesus Cristo, o Filho de Deus, nos purifica de todo o pecado, tanto o pecado em nossa natureza como o pecado em nossa vida: o sangue real, não só simbólico, derramado na cruz do Calvário pelo Filho de Deus, sem pecado, é a única propiciação aceitável para a satisfação da justiça de Deus. Só ele pode limpar a nossa consciência e a nossa vida (Hb 9.13,14; Tt 2.14).
Viver em comunhão com Deus, Pai e Filho, significa andar na luz da Palavra de Deus (1 Jo 1.7). Não é andar “de acordo” com a luz: o importante é onde andamos, não como andamos. Temos que vir à presença de Deus e permitir que a Sua Palavra brilhe sobre nosso caminho. É possível andar na escuridão do pecado e ainda pensar que estamos bem porque estamos preenchendo nossas obrigações e mandamentos “religiosos” conforme nós os entendemos.
O pecado interrompe a comunhão do crente com o Pai e o Filho: o crente não perde a salvação, mas a sua comunhão só é restabelecida quando o pecado for lavado. É necessário permitir que a luz da Palavra de Deus revele nosso pecado; o arrependimento e confissão a Deus restaurará a comunhão.
Ninguém pode ter comunhão com o povo de Deus se não a tiver primeiro com Deus, em Cristo, e para isso é preciso que esteja andando na luz com Deus. Por outro lado, se andamos na luz, temos comunhão uns com os outros: isto significa que nos reunimos uns com os outros e participamos uns com os outros daquilo que é de Cristo. Falamos juntos sobre o Senhor Jesus Cristo e a Sua Palavra. Este é o tipo de comunhão que surge quando ouvimos e cremos no testemunho dado por João, e é uma comunhão impossível de ter com os incrédulos. Nossa alegria se torna completa quando temos comunhão uns com os outros, como consequência de termos comunhão com o Pai e com Seu Filho Jesus Cristo.
A terceira carta de João contrasta duas atitudes opostas com relação aos “estrangeiros”, ou seja, os crentes que vinham de outra localidade: a hospitalidade e a presunção. A pessoa a quem foi dirigida a carta, Gaio, fielmente praticava o amor para com os irmãos, mesmo quando eram de fora, acolhendo-os e suprindo as suas necessidades: tinha comunhão com eles. Em contraste, um certo Diótrefes exercia a primazia sobre a igreja local: como alguns mesmo hoje, exigia que tudo fosse feito como ele queria e não admitia nada do que não gostasse. A sua opinião era sempre certa, no seu pensar, não aguentava oposição, nem conhecia mansidão ou modéstia. Era tão presunçoso que não dava acolhida ao próprio apóstolo João. Falando maliciosamente contra ele, recusava acolher os que vinham de fora, impedia os que queriam recebê-los e os expulsava da igreja. João o coloca entre os que jamais viram a Deus: praticava o mal, ao não estender a comunhão aos crentes de fora.
Richard D. Jones